quarta-feira, 5 de julho de 2017

As fortunas da Comarca de Lages no séc. XIX - Quanto valiam os Montantes de Bens?

          Ismênia Ribeiro Schneider
Cristiane Budde

         Quando se examina um inventário do século XIX, observa-se que a moeda utilizada naquele tempo era bastante diferente da que as pessoas estão acostumadas a ver hoje. A maneira de escrever o montante de bens também é distinta, e não é fácil compreender qual seria o valor aproximado dele na atualidade. Muitas vezes, nem se sabe identificar qual é a moeda utilizada na época e nem como deve ser lida a sua notação numérica.
            Esta matéria versará sobre a moeda “réis”, que é a que consta no inventário de diversas figuras importantes da Comarca de Lages, como Cel. João Ribeiro, Antonio da Silva Mattos (Tonico das Palmas), João Baptista de Souza (Inholo), entre tantos outros.
            O nome “Réis” (Rs ou $) é derivado do “Real”, “moeda portuguesa dos séculos XI e XVI, época do descobrimento do Brasil” (BCB, 2007). Sua utilização no Brasil ocorreu desde o período da Colonização (início do séc. XVI) até 30 de outubro de 1942, quando foi substituída pelo Cruzeiro (Cr$) (BCB, 2007).
Exemplo de sua notação numérica e leitura (BCB, 2007):
   
Rs0$500 = $500 = Quinhentos réis
Rs12$100 = 12$100 = Doze mil e cem réis
Rs1:000$000 = 1:000$000 = um conto de réis = um milhão de réis
Rs1.020.100.800:120$230 = um bilhão, vinte milhões, cem mil e oitocentos contos, cento e vinte mil e duzentos e trinta réis

         É difícil quantificar o quanto valeria a moeda “Réis” se comparada com o “Real” atualmente. Não foram encontradas muitas referências e explicações de como poderia ser calculada a conversão (réis para reais). Tal fato pode estar relacionado às diversas mudanças na moeda que ocorreram ao longo dos anos no país, e também à dificuldade de cálculo referente à inflação, por exemplo.
            Para se ter uma ideia, buscou-se comparar a moeda com o preço do ouro. Assim, de acordo com a Lei n. 59, de 8 de outubro de 1833:
“A Regencia Permanente, em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos os subditos do imperio que a Assembléa Geral decretou, e Ella sanccionou a lei seguinte:
Art. 1º Na receita e despeza das estações publicas entrarão o ouro e a prata em barras, ou em moedas nacionaes ou estrangeiras, a dous mil e quinhentos réis por oitava de ouro de vinte e dous quilates.”[i]
Uma oitava de ouro corresponde a 3,5859 gramas[ii]. De acordo com a Lei n. 9, de 1833, essa quantia de ouro custava 2$500.
Apenas para ter uma ideia, em 04/07/2017, essa quantia de ouro vale R$ 462,58, segundo a cotação do site da BOVESPA (considerando o preço médio de R$129,00/gr).
Assim, um quilo (1 kg) de ouro valeria aproximadamente 697$175 (réis).
Atualmente, um quilo de ouro vale por volta de RS 128.999,69 (reais).

Um conto de réis (1:000$000), corresponderia a cerca de 1,44 kg de ouro. E, hoje, essa quantidade de ouro vale cerca de R$ 185.759,55.
Para ficar mais claro:
 

Em 1833:
3,5859 gramas de ouro = 2$500 (réis)
Atualmente (04/07/2017):
3,5859 gramas de ouro = R$ 462,58 (reais)

Em 1833:
1 Kg de ouro  =  697$175 (réis)
Atualmente (04/07/2017):
1 Kg de ouro  =  R$ 128.999,69 (reais)


Em 1833:
Um conto de réis  =  1,44 Kg de ouro
(1:000$000)

Atualmente (04/07/2017):
R$ 185.759,55  =  1,44 Kg de ouro
    (reais)
         
      Segundo o historiador do Museu Judiciário Catarinense, Gilberto Machado, quem possuísse “dez contos de réis” já era abastado. Milionário era aquele que detivesse bens no valor de “cem contos de réis”.
Vejamos o que valiam alguns bens no inventário de João Baptista de Souza (Inholo), de 1850:

Bens
Valor em réis
Estimativa do valor em reais utilizando a comparação do valor do ouro
Partes da Fazenda “Pelotinhas”
650$000 – seiscentos e cinquenta mil réis
R$ 120.270,81
Toda a Fazenda da “Cria”
2:108$000 – dois contos, cento e oito mil réis
R$ 390.047,47
A casa na vila de Lages
200$000 – duzentos mil réis
R$ 37.006,40
Escrava Benedita, 30 anos
500$000 – quinhentos mil réis
R$ 92.516,00

Vale a pena notar a valorização dos escravos. Só a escrava Benedita, de João Baptista de Souza, valia quinhentos mil-réis, ou seja, mais que a casa na Vila de Lages.
Com base nos valores apresentados (em comparação com o ouro), pode-se observar algumas das maiores fortunas da Comarca de Lages no Século XIX:

Inventariado
Ano da morte
Cônjuge
Montante de bens
1 – João da Silva Ribeiro Júnior (Cel João Ribeiro)
1894
Ismênia Baptista de Souza
406:016$370 + 400$000 do processo de sobrepartilha
(em torno de R$75.200.033,77, considerando o cálculo do valor do ouro)
2 – Ismênia Pereira Machado (Ismênia Palma)
1934
(séc. XX)
Inácio da Silva Mattos (Inácio Palma)
333:921$000
3 – Júlia Baptista de Souza e Oliveira
1883
Vidal José de Oliveira Ramos
286:111$500
4 – Manoel Ribeiro da Silva Filho (Ribeirinho)
1886
Leucádia Damasceno de Córdova
278:885$280
5 – Anna Maria de Lima
1865
Manoel Rodrigues de Souza
230:357$323
6 – Antonio José Pereira Branco Sobrinho
1861
Umbelina de Oliveira Trindade
165:414$232
7 – Joaquim José Ribeiro do Amaral
1861
130:881$625
8 – Anna Maria de Andrade
1880
Manoel José Pereira de Andrade
130:217$505
9 – Antonio da Silva Mattos (Tonico das Palmas)
1912
(séc. XX)
1ª esposa: Maria Palhano de Jesus (Mariazinha)
123:930$000
10 – Elizeo José Ribeiro do Amaral (assassinado)
1885
Clara Maria de Jesus
117:391$800
11 – Amelia Fermina de Jesus Borges
1883
Francisco Borges do Amaral e Castro
104:682$028
12 – Maria de Souza Teixeira
1876
José Domingues Arruda
99:586$020
13 – José Manoel de Oliveira Branco
1887
Maria José de Oliveira Trindade
98:095$818
14 – Antonio Pereira da Cunha e Cruz
Joaquina Maria da Maia
93:819$208
(cerca de R$17.359.556,42)



Moeda de 960 réis, 1833. (Fonte: http://www.coinfactswiki.com/wiki/Brazil_1833-R_960_reis)



Referências


BCB, Banco Central do Brasil. Síntese dos padrões monetários brasileiros. Museu dos Valores do Branco Central Brasileiro. Brasília (DF), Maio de 2007. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/museu-espacos/SintesePadroesMonetariosBrasileiros.pdf. Acesso em 30/06/2017.
Inventários do Museu do Judiciário Catarinense, em Florianópolis.




[i] Senado Federal. Lei n. 59 - de 8 de outubro de 1833. Secretaria de Informação Legislativa. Disponível em:  http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=67307. Aceso em: 04/07/2017.

[ii] Systema Monetário do Brazil. In: O Império do Brazil na Exposição Universal de 1876 na Philadélphia. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875. Disponível em: http://acervo.redememoria.bn.br/redeMemoria/handle/123456789/220265. Acesso em 04/07/2017.

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