Como referido na matéria anterior (http://genealogiaserranasc.blogspot.com.br/2017/06/rua-tito-carvalho.html),
o jornalista Tito Carvalho escrevia uma coluna no Jornal República, intitulada O Nosso
Bilhete. Em cada publicação, endereçava um bilhete a uma pessoa real, às
vezes uma pessoa pública, outras, uma pessoa desconhecida, de seu círculo de
amizade.
Hoje transcrevemos a coluna do dia
04 de janeiro de 1927, cujo bilhete seria destinado a Walmor Ribeiro,
personagem importante da história de Lages e de Santa Catarina.
Vejam agora O Nosso Bilhete, escrito por Tito Carvalho, e abaixo, mais
informações sobre Walmor Ribeiro.
O Nosso Bilhete*
Walmor Ribeiro
Como
o prezado amigo, tive, no convívio das estâncias, entre a peonada, de linguajar
pitoresco, o vício do enxerto, no falar, de palavras que têm o sabor e o
colorido do regionalismo.
Fiquei
surpreso, todavia, ao ouvi-lo anteontem, dizendo comovidamente, na ponte da
Alfândega, o adeus em nome de nós todos ao senhor ministro Victor Konder.
Não
me ative nunca ao cortejar os que desempenham altas funções. Se me estimam, é
que tenho alguma qualidade ou virtude que os transforme meus amigos.
Essa
virtude será, sem dúvida, a da sinceridade, que se me tornou mais rija a chupar
o chimarrão entre os tropeiros e estancieiros, gente franca, leal até o
sacrifício.
Conheci-o
modesto, médico trabalhador e humanitário.
E
agora, venho encontrá-lo, na cidade-capital, com o aprumo de gentleman,
do homem, do político, da autoridade que possui o segredo do fascínio.
Sei
que orou, naquele momento emocionante, com o coração e a inteligência.
Foi
uma breve oração, palavras de despedida, assim como se abanasse um lenço de
seda, encharcado da saudade antecipada e do orgulho imenso da nossa gente.
Disse
dos grandes destinos a que não fugirão a nossa força e o nosso espírito
raciais.
A
viagem ministerial conclama “dêem asas ao Brasil”.
O
vôo realizado pelo senhor Victor Konder foi, na sua justa expressão, um feito
de valor, capaz de picar a admiração continental, desmanchando as longínquas
fronteiras até onde chega a simpatia de todos.
O
popular vice-governador, que, com o chefe do executivo, são esperanças, ou
melhor, realidades indesmentidas, compreende a nossa finalidade, e que entre
governantes e governados não há distinção de classes, senão disciplina, ordem e
ânsia de progresso.
Da
sua oração, ressoam-me à oitiva palavras em que lhe reconheci a sutileza do
talento.
“Angústia
da alegria”...
Paradoxo?
Seja.
Mas, verdade pura.
Angústia
da separação, que era, a um tempo, a tristeza pela ausência próxima e a alegria
pela atuação dum catarinense, a dar o exemplo de coragem, cortando, tranqüilo,
o espaço azul, em remígios de condor, a demonstrar que a nacionalidade precisa
não só de redes rodoviárias, mas de aparelhos que nos liguem, uns Estados a
outros, mais rapidamente, pelo caminho largo das alturas.
Essa
sensação de angústia alegre, eu a sinto aqui, pela revelação que me foi o amigo
ilustre, e pela indigência vocabular no grafar o meu pensamento!
Semperque,
João A. Penas
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Walmor Ribeiro
De
acordo com Walter Piazza (1994, p. 132), Walmor Ribeiro, ou Walmor Argemiro
Ribeiro Branco, era
Natural de Lages (SC), a 11/11/1885, filho
de Affonso da Silva Ribeiro e de D. Umbelina Ribeiro Branco.
Fez os estudos primários na cidade natal, bacharelou-se
em Letras no Colégio Nossa Senhora da Conceição, São Leopoldo, RS (1897 –
1901).
Regressou a Lages, onde lecionou no Colégio
dos Franciscanos (São José) e fez concurso para telegrafista (1902-1906).
Matriculou-se na Faculdade de Medicina de
Porto Alegre, RS (1907), transferindo-se para a do Rio de Janeiro (1909), onde
se formou (1912).
Clinicou em Lages.
Vereador à Câmara Municipal (Conselho
Municipal, à época) de Lages (1920) e foi seu Presidente.
Deputado ao Congresso Representativo do
Estado à 11ª Legislatura (1922-1924).
Vice-Presidente do Estado [Vice-Governador]
(1926 – 1930), tendo assumido o Governo do Estado (05/12/1927 – 01/02/1928 e
01/12/1928 – 19/02/1929). Após 1930 abandonou as atividades políticas,
dedicando-se, tão somente, à medicina e à pecuária.
Faleceu em Nova York, Estados Unidos da
América, a 02/08/1952.
Foi casado com D. Honorina Vieira da Costa
Ribeiro, de quem houve Afonso Alberto Ribeito Neto (Al Neto).
No
livro Gavião-de-Penacho, Enedino Batista Ribeiro também dedicou uma parte de
suas reminiscências para falar de seu amigo Dr. Walmor Ribeiro Branco:
O Dr. Walmor nasceu no dia 11 de novembro de
1885, na Fazenda do “Pinheirinho”, município de Lages, neste Estado. Filho
legítimo de Afonso da Silva Ribeiro e de Umbelina Ribeiro Branco, era neto pelo
lado paterno, do inolvidável Coronal João da Silva Ribeiro, de quem herdou as
peregrinas qualidades de caráter e fino tino político.
Bacharelou-se em Ciências e Letras no
conceituado Ginásio Nossa Senhora da Conceição, com sede na cidade de São
Leopoldo, Rio Grande do Sul. Formou-se pela Faculdade de Medicina no Rio de
Janeiro em 1911, abrindo, pouco tempo depois, consultório médico na cidade de
Lages. Casou-se, na mesma cidade, com dona Honorina da Costa Ribeiro, de cuja
união houve um filho, o Dr. Afonso Ribeiro Neto, conhecido escritor, cronista e
jornalista Al Neto.
Desde os primeiro tempos em que iniciou sua
clínica, deu provas de ser grande e abalizado médico, tornando-se
conhecidíssimo em toda a Região Serrana como cirurgião, oculista e clínico
geral.
No que tange a mim, foi, por assim dizer, o
médico exclusivo da minha família: a partir de 1913, até 1920, atendeu o Dr.
Walmor, ininterruptamente minha mãe; igualmente, nesse período, atendeu a todos
os membros da família que, por este ou aquele motivo, precisaram de cuidados
médicos. [...]
Fomos sempre bons amigos, o Dr. Walmor e eu,
meu parente próximo, primo-irmão.
Eu estava na Assembleia Legislativa do
estado, como deputado, quando o nosso parente comum, Celso Branco, fez-me
chegar à mão um telegrama de Lages, no qual se fazia a comunicação do
falecimento do Dr. Walmor, em Nova Iorque. Para mim foi um grande choque, pois
nem sabia que o meu velho amigo estava doente; chorei sentidamente o seu
desaparecimento. O Dr. Walmor tinha sido, ou ia ser operado de um câncer no
estômago, quando o coração começou a traí-lo, vindo a falecer bruscamente. Por
exigência das leis norte-americanas, o corpo do ilustre lageano não pôde ser
repatriado, sendo destruído em forno crematório, suas cinzas recolhidas a uma
urna e por sua mulher e filho, conduzidas para Lages.
No dia 7 de abril de 1953, teve lugar a
cerimônia fúnebre da encomendação das cinzas do Dr. Walmor. Foi celebrante S.
Excia. Revma. Dom Daniel Hostin, junto ao mausoléu erigido da Fazenda do
Pinheirinho, berço do inesquecível morto. O Dr. Afonso Ribeiro Neto discursou
na ocasião, relatando os últimos momentos de seu pai, e qual sua última
vontade.
Foi dessa forma que desapareceu o
humanitário e grande médico. (Ribeiro, 1999, p. 299-301).
Na
sequência, Enedino Batista Ribeiro transcreveu o artigo de Al Neto (filho do
Dr. Walmor), afirmando que:
Muito melhor que eu faria, [o artigo de Al
Neto] estereopita a estatura moral e intelectual do homem cuja passagem por
este mundo marcou época nos fastos da história médica, social e política de
Santa Catarina (RIBEIRO, 1999, p. 301).
NOS
BASTIDORES DO MUNDO
POR
AL NETO**
Dr.
WALMOR
NOVA IORQUE – Faleceu aqui em Nova
Iorque um brasileiro cuja vida foi um exemplo de coragem, nobreza e dignidade.
No Estado de Santa Catarina, de que uma vez
foi Governador, era conhecido simplesmente pelo primeiro nome: Dr. Walmor.
Especialmente na região serrana do Estado,
nos municípios de Lages, São Joaquim, Curitibanos e outros naquela época, quase
não havia quem não conhecesse o Dr. Walmor.
E mesmo no Rio, e em outras partes do
Brasil, o nome deste homem bom e honesto era pronunciado com respeito nos mais
variados setores.
Nascido em Lages, no planalto catarinense,
ele fazia parte de uma das mais tradicionais famílias da região. Em Lages há
ruas e praças com o nome de antepassados e parentes de Dr. Walmor.
Foi ele o
primeiro filho de Lages a formar-se em medicina.
Tinha alma de médico.
Naqueles tempos difíceis, há uns 30 anos
passados, o exercício da medicina no interior da Brasil requeria uma coragem e
uma nobreza excepcionais.
Não havia transportes adequados, nem
estradas. E quantas vezes era no lombo do cavalo, pelas noites de tempestades,
através de matos e campos, que o Dr. Walmor saía a atender doentes.
Os rios não eram obstáculos para este homem
de têmpera de aço. Cercado uma vez por uma cheia do Rio Canoas, na região do
Figueiredo, ele meteu cavalo rio adentro, e o animal nadando, ele agarrando às
crinas, chegou do outro lado. Do outro lado havia uma pobre cabocla que se
esvaía em sangue sem poder dar à luz. Ele chegou a tempo de socorrê-los e
salvou a ambos, mãe e filho.
Ao mesmo tempo que exercia a medicina, o Dr.
Walmor cuidava de uma fazenda, trabalhando assim numa das indústrias essenciais
para a alimentação do povo.
Um dia, alguém se lembrou de incluir o nome
do Dr. Walmor na chapa para o Governo do Estado. E o povo que já o conhecia e
queria bem, o elegeu sem vacilar.
O período em que este homem bom, que nunca
aprendeu as artimanhas da política e costumava dizer que os cargos públicos não
se solicitam nem se recusam, o período do Dr. Walmor no Governo do Estado,
depois da saída do Dr. Adolfo Konder, foi interrompido pela renúncia. Ele
renunciou por não querer transigir com os princípios morais pelos quais sempre
conduziu todas as ações de sua vida.
Pouco depois que havia renunciado, rebentou
a Revolução de 1930. Por ter sido honesto e incorruptível, o Dr. Walmor
livrou-se da ira dos revolucionários, que puseram o Governador substituo na
cadeia.
O Dr. Walmor nunca foi homem de partido no sentido
estrito da palavra. Se bem fosse amigo de Walmor Washington Luís, nem por isso
deixava de ter amigos na outra facção, o que naquela época era quase
inacreditável.
Ultimamente, aos 66 anos de idade, ele se
dedicava a atender aos doentes pobres de Lages, e a criar bois para o consumo
da população.
Com exceção dos meses de inverno, que
passava no Rio de Janeiro, o Dr. Walmor morava em Lages na maior parte do
tempo. E num “bungalow”, que ele chamava de “Meu Cantinho”, atendia os doente
pobres que vinham, às vezes, de muito longe, para consultá-lo.
Aqui em Nova Iorque, no hospital em que
estava internado, vítima de uma moléstia incurável, estendeu a mão e disse-me:
“Nunca se esqueça daqueles que não têm
ninguém por eles!”.
E assim expirou o Dr. Walmor. Era meu pai.
Dr. Walmor Ribeiro Branco (Fonte: PIAZZA, 1994). |
Notas:
1. Walmor Ribeiro era vice do Governador Adolfo
Konder. Substituiu-o “em seus afastamentos temporários, ora por viagens,
doenças e outros motivos” (FERNANDES, 2010).
2. Al Neto era “advogado, jornalista, escritor
(poliglota) e impecável comentarista de televisão, retornou a Lages depois de
viver, desde novo, na Inglaterra, Estados Unidos e Rio de Janeiro, exercendo
atividades superiores junto à USIS (United States International Sistem), órgão
de divulgação americana para os países de idioma de origem latina de todo o
globo” (MACHADO, 2008).
* Transcrito em: FLORES, Simone Constante. Do texto à
história: cotidiano catarinense nas crônicas de Tito Carvalho – Fixação de
crônicas. Dissertação de mestrado,
Curso de Pós-Graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), Florianópolis, SC, 2005.
** Publicado no livro Gavião-de-Penacho: Memórias de um serrano,
1999 (referência completa abaixo).
Referências
FERNANDES, Névio Santana. Governadores Lageanos. Disponível em: http://www.clmais.com.br/informacao/154292/?old.
Acesso em: 22/06/2017.
MACHADO, Agilmar. Al Neto (Afonso Alberto Ribeiro Neto). Blog Jornal Nosso Tempo. 2008. Disponível
em: http://jornalnossotempo.blogspot.com.br/2008/08/al-neto-afonso-alberto-ribeiro-neto.html.
Acesso em: 22/06/2017.
PIAZZA, Walter Fernando (org.). Dicionário Político Catarinense.
Florianópolis: Edição da Assembleia do Estado de Santa Catarina, 1994.
RIBEIRO, Enedino Batista. Gavião-de-Penacho: Memórias de um
serrano. Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Assembleia
Legislativa do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: IHGSC, 1999.
Fantástico o Bilhete do Tito Carvalho sobre Dr Walmor Ribeiro,o Dr Walmor deu muito apoio a minha mãe Dolores Ribeiro Martins durante sua enfermidade no Hospital de Caridade, em Florianópolis, em 1928 ano em que ela veio falecer. Ele era primo de meu avô Manoel Cecilio Ribeiro. Por época meu pai Adolfo publicou um agradecimento ao Dr Walmor no Jornal A República.
ResponderExcluirTenho a honra e o orgulho de ser bisneto desse grande homem e cidadão catarinense chamado Walmor Ribeiro. Me emocionei com toda a publicação, e aproveito a oportunidade para agradecer a toda Equipe do blog na bela e nobre missão de manter viva a memória e a história de algumas das famílias mais tradicionais da Serra Catarinense.
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário!
ExcluirFicamos felizes em saber que nosso trabalho está sendo acompanhado.
Abraços!
Grande figura humana. Um dos orgulhos de
ResponderExcluirSanta Catarina.