quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O Assassinato de João Batista de Souza - Inholo (1800 – 1850)


Ismênia Ribeiro Schneider
Daniela Ribeiro Schneider
Cristiane Budde
           
        Dando continuidade à publicação anterior, hoje abordaremos mais um crime ocorrido na Comarca de Lages no século XIX, o assassinato de Inholo, em 1850. Deste caso, decorre a origem do nome “Santa Cruz” para o local conhecido, na época, como “Invernada do Fundo”, que se localizava a 17 km da sede da Fazenda “São João”.
            Inholo, como era conhecido João Baptista de Souza (19/01/1800 - 13/08/1850), era político e fazendeiro, sendo a sua principal propriedade a Fazenda São João de Pelotas, na região de São Joaquim, que pertencia ao município de Lages.
            Era filho de Matheus José de Souza (1737 – 1820) e de Clara Maria de Athayde (1774, Lages - 13/03/1810). Matheus veio para o Brasil com 20 anos de idade, instalando-se no Rio de Janeiro em 1757. Posteriormente, mudou-se para o sul do Brasil, ajudando a fundar a póvoa de Lages no dia 22 de maio de 1771.

            Inholo teve como companheira, até 1838, Maria Gonçalves do Espírito Santo, filha de Ignácio Gonçalves dos Santos e Maria Gonçalves do Espírito Santo, casal de Rio Pardo, RS.
           Foi figura emblemática na família. Era o que se poderia chamar de “filho rebelde”. Muito novo se uniu a uma mulher casada, rompendo com todas as convenções da época. Estabeleceram residência em sua Fazenda São João, localizada ao sul do município de São Joaquim, entre o rio Pelotas e o Lavatudo. Tiveram quatro filhos, reconhecidos pelo pai em 1838, ocasião em que houve a separação do casal, porque Inholo já havia conhecido a viúva Cândida dos Prazeres Córdova, irmã do noivo de sua filha mais velha, Maria Benta.
Os filhos permaneceram em sua companhia. São eles:
F1 - MARIA BENTA BAPTISTA DE SOUZA (nasc. 26/05/1828), c.c. José Lins de Córdova (1817 - 15/04/1874), filho de Bento Ribeiro de Córdova e de Maria Jacinta.
F2 - ISMÊNIA (OU ESMÊNIA) BAPTISTA DE SOUZA (03/11/1831 - 01/09/1912), c.c. Coronel João da Silva Ribeiro Júnior (29/03/1819 - 10/05/1894), filho de João da Silva Ribeiro (Sênior) (23/06/1787 - 12/05/1873) e de Maria Benta de Souza (1790 – 1857) [filha de Matheus José de Souza e Clara Maria de Athayde].
F3 - MARIA MAGDALENA BAPTISTA DE SOUSA (1833 - 21/11/1867), c.c. Matheus Ribeiro de Souza (1829 - 18/11/1900), filho de João da Silva Ribeiro (Sênior) (23/06/1787 - 12/05/1873) e de Maria Benta de Souza (1790 – 1857).
F4 - MARCOS BAPTISTA DE SOUZA (09/08/1833 - 07/10/1906), c.c. Maria Rodrigues de Andrade, “Dona Marica” (04/03/1843 - 14/01/1926), filha de João Floriano Rodrigues de Andrade e de Guiomar Maria Valgos Galvão de Siqueira (01/01/1814 - 21/10/1888).

            Em 1840, Inholo efetiva o casamento com Cândida, continuando a morar na Fazenda São João, apesar de possuir outras propriedades na região da Coxilha Rica e duas casas na vila de Lages. Em 11/05/1842 nasce a filha Júlia[i]. Em 1845 morre D. Cândida, ficando Inholo com cinco filhos. Em 1842, casa-se a filha Maria Benta, e em 1845, a filha Ismênia. Ficam com ele dois filhos adolescentes e a pequena Júlia.

            Como afirmamos no início da matéria, Inholo era dono da grande fazenda de criação de gado chamada “São João”. Neste local, aos 50 anos de idade, foi barbaramente assassinado por dois de seus escravos. No dia 13 de agosto de 1850, foi trucidado com o olho do machado, esmigalhando-lhe a cabeça. Seu corpo foi encontrado numa cama arranjada com os próprios arreios, à beira de um rancho de pau-a-pique.


Local do assassinato de Inholo.


            Morreu, pois, Inholo nesse lugar, conhecido naquela época como “Invernada do Fundo”, distante 17 Km da sede da Fazenda “São João”. Seus filhos, para assinalar o local de sua morte, mandaram erguer, na colina mais alta e mais próxima do trágico acontecimento, uma grande cruz de cedro, que de longe era vista. Esta parte da Fazenda, desde então passou a ser denominada pelos moradores de toda a região, Santa Cruz, nome com que é conhecida até hoje. A fazenda, mais tarde, ficou renomeada pelos herdeiros como “São João de Pelotas”.
            Foi, portanto, a partir de 1850, que se estabeleceu o costume na Família Ribeiro de, sempre que a cruz se acabasse, uma nova fosse erguida. A primeira foi mandada fazer pelos filhos de Inholo, a segunda pelo neto de Inholo, João Baptista Ribeiro de Souza, pai de Enedino Batista Ribeiro, sendo este que, por ter escrito a história da família[ii], permitiu que essa tradição se tornasse conhecida das gerações mais novas. A tradição oral e os escritos familiares levaram a que os atuais descendentes de Inholo, sob a coordenação de Hamilton Ribeiro Vieira, Titinho, retomassem o velho costume e mandassem erguer a terceira cruz, em 1999.





            Aquele é, pois, um rincão mágico, ao qual devemos voltar sempre, para conservar a memória de nossos ancestrais, simbolizada pelo monumento, a cruz do Inholo – a Santa Cruz. A visão daquelas colinas verdejantes, batidas pelo vento, que guardam em suas entranhas as vozes do passado, o tropel dos cavalos, o mugido das tropas que por ali passaram ou que nelas se aquerenciaram, nos faz sentir a nostalgia de nossos fantasmas, da sua vida rica, generosa, mas por vezes trágica.
            Passamos a descrever, a partir de documentos encontrados no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina e no Museu do Judiciário Catarinense a descrição do assassinato.
            Transcrevemos primeiramente da Carta do Juiz Municipal de Lages (Guilherme Ricken) para o Presidente da Província de Santa Catarina (Dr. João José Coutinho)[iii] (grafia original):

Villa de Lages, 02 de novembro de 1850.
Ilmo. e Exmo. Snr:
Em observação do dispositivo no Artigo 4º do Decreto de 9 de março de 1837, tenho a honra de levar à presença de V.Excia. a exposição seguinte, por occazião da Sentença inclusa, pela qual foram condenados à morte Ricardo e Alexandre, escravos do fallecido João Baptista de Souza, pelo crime de homicídio, praticado no seu próprio Senhor, em sessão do Jury deste Termo, de 30 do mez de Outubro último, a que presidi:
O fallecido João Baptista de Souza, conhecido na comunidade como Inholo, sahiu na tarde do dia 12 de Agosto próximo passado da sua fazenda “São João”, acompanhado de seus escravos Ricardo e Alexandre, dirigindo-se para sua invernada, contígua à mesma fazenda, com intenção de alli dar sal ao gado no dia seguinte. Como de costume, deitou-se em cama feita com seus próprios arreios pelas oito horas da noite no pequeno rancho de pau a pique, ali existente. No dia seguinte, manhã ainda cedo, appareceu o escravo Ricardo na fazenda, dando parte que seu Senhor estava morto, e que lhe parecia haver sido assassinado, porém que não o affiançava. Juntou-se logo gente da fazenda e vizinhança que se dirigiu ao fundo da invernada, onde encontraram o cadáver de João Baptista de Souza banhado em sangue e com a cabeça litteralmente esmigalhada, e não achando arma alguma com que pudesse ter sido cometido tal delicto, perguntaram ao escravo Ricardo se alli não havia machado, ao que este lhe respondeu que sim, e que estava dentro do rancho, em que deram busca, sem encontrá-lo. Trataram depois de remover o corpo para a fazenda, segurando, ao mesmo tempo, os dois escravos, e no caminho perceberam manchas de sangue na camisa e calças de Ricardo, já produzindo prova de corpo delito ex-ofiicio, apparecendo logo depois na formação da culpa como prova através dos cidadãos Antonio Saturnino de Souza e Oliveira, funcionário público de Lages muito atuante, Manoel Rodrigues de Souza e Matheus José de Souza Júnior, irmãos da vítima, e João da Silva Ribeiro Júnior, sobrinho e genro do assassinado. Foram inquiridos sete testemunhas e mais um informante. Nos interrogatórios feitos aos réus, disse o escravo Ricardo que estando deitado no rancho, viu o seu parceiro matar o seu senhor e depois correr para o matto, onde atirou com o machado. Respondeu o escravo Alexandre que era falso, pois que elle depois de se deitar pegou no sono e não accordou mais, se não no outro dia, quando já era dia claro. Confessaram ambos os réus que no lugar do delicto não havia e não appareceu, durante a noite, mais ninguém, se não elles e seu Senhor. Á vista dos depoimentos das testemunhas e dos interrogatórios feitos aos réus, pronunciei a estes como incursos no Artigo1º da Lei de 10 de junho de 1835.
Devidamente preparado o processo, foi este aprezentado na Sessão do Jury de 30 de Outubro último, em que os réus foram acuzados pelas partes acuzadoras, que igualmente sustentaram esta acuzação. Os réus foram defendidos por seu curador, Antonio Vicente Fernandes, que para esta função tinha sido nomeado, e depois de bem esclarecida a questão, propuz os quezitos de Lei, todos decididos pelo juiz e aprovados por unanimidade de votos, e segundo essa decisão, foi proferida sentença de morte contra os escravos Ricardo e  Alexandre.
Pareceram-me justas as respostas do Jury, por conhece-las cabalmente dos debates que tiveram lugar durante o Jury que aconteceu após a morte de João Baptista de Souza, quando foi concluído que o seu matador foi o escravo Ricardo, tendo o escravo Alexandre ajudado seu parceiro, em consequência do ajuste que houve entre elles para a perpetração deste crime.
Para maior esclarecimento do processo, incluo cópias do Auto de Corpo Delito, das inquirições das testemunhas, do Libello e de sua Contrariedade, dos últimos interrogatórios dos réus, dos quesitos propostos ao Jury e das decisões deste.
São estas as circunstâncias do facto que tenho a honra de levar ao seu conhecimento, circunstâncias que no caso de V.Exa. confirmar e mandar executar a sentença, será preciso vir algoz de lá, por não haver aqui nenhum prezo sentenciado em circunstâncias de o ser.
Deos guarde V. Exa. Villa de Lages, 2 de novembro de 1850. Ilmo.e Exmo. Snr Dr. João José Coutinho, Prezidente da Província de Santa Catarina = Guilherme Ricken, 3º Substituto do Juiz de Direito da 2ª Comarca.
                           Conforme
                  Manoel Joaquim Pereira

            Na sequência, aparece ofício expedido pelo Palácio do Governo de Santa Catarina, assinada por João José Coutinho, dirigida ao Sr. Guilherme Ricken, datada de 20 de novembro de 1850, solicitando que procedam a suspensão do procedimento anterior, ou seja, a execução da pena de morte aos dois escravos condenados, pois o processo seria enviado ao conhecimento de sua Majestade, o Imperador.
            Já em 03 de janeiro de 1851 aparece a decisão do Imperador, que passamos a transcrever com a grafia original:

            Ao juiz de Direito da 2ª Comarca:
Remetto a VSrª a inclusão Copia authentica do Decreto de 13 de Dezembro último que com Aviso da Secretaria d’Estado dos Negocios da Justiça me foi enviado pelo qual Sua Magestade o Imperador houve por bem comutar em galés perpétuas, a pena de morte imposta aos Reós Ricardo e Alexandre, escravos, por sentença do Jury da Villa de Lages desta província de 3 d’Outubro proximo passado, a fim de que V.Srª nessa inteligência lhes faça dar a devida execução. Deos Guarde a V.Srª. Palácio do Governo de Sta Catharina, em 3 de janeiro de 1851= João José Coutinho = Ao Juiz de Direito da 2ª Commarca.

            Ainda localizamos ofício enviado ao Juiz Municipal de Lages, de 27 de janeiro de 1851, por este mesmo João José Coutinho, informando da comutação da pena pelo Imperador e esclarecendo que os réus, caso entendessem que poderiam ser cuidados com segurança na própria cidade de Lages, poderiam ser empregados em trabalhos públicos, quer Provinciais, quer Municipais.
No entanto, outro ofício mostra que os réus foram enviados efetivamente para o presídio da capital:

            Ilmo.Exmo.Snr. Dr. João José Coutinho
            Presidente da Província de S. Catharina      
Nesta occasião faço seguir para essa Capital os dous Réos Ricardo e Alexandre a entregar ao Juiz Municipal desse Termo, que devem cumprir a pena de galés perpetuas em que foi commutada a de morte que lhes tinha sido imposta por Sentença do Jury deste Termo. Estes presos vão escoltados por dous Guardas Nacionais, que receberão adiantados Seis Mil Reis cada hum para mantimentos de viagem, e como a Câmara Municipal não tem mais dinheiro algum, fui eu que lhos adiantei, e por tanto rogo a V. Excia. Que sejam pagos por lá, aliás me verei obrigado a completar-lhes o que faltar.
Deos Guarde a VExcia. Villa de Lages, 31 de janeiro de 1851.
Guilherme Ricken. 3º Substituto do Juiz de Direito da 2ª Comarca


Comutação[iv] da pena dos escravos de Inholo.

             Segundo dados de pesquisa de Enedino Batista Ribeiro, que aparecem em seu livro “Gavião-de-Penacho”, o réu Alexandre morreu pouco tempo depois de chegar à capital e Ricardo cumpriu mais de quarenta anos de prisão, só dela saindo em 1889, com a Proclamação da República.
            Infelizmente, o processo-crime propriamente dito não foi localizado, motivo pelo qual não conseguimos encontrar as razões oficiais que levaram os escravos a assassinar Inholo, seu dono. No entanto, existem algumas versões para a tragédia, presentes na tradição oral familiar, que passaram a fazer parte das lendas locais. Segundo uma delas, durante uma das inúmeras revoluções do período, Inholo saiu numa madrugada da sede da fazenda, acompanhado de um escravo menino, que montava uma mula arreada com duas bruacas. Ao entardecer voltou o senhor com as bruacas vazias e dizendo que o negrinho caíra num dos grotões medonhos daqueles alcantilados. Como senhor de vida e morte de seus escravos, não precisou justificar nenhum dos fatos: como mesmo sumira o menino? Por que voltaram vazias as bruacas?
            Essa versão tem sua sustentação nos mitos gerados pela Revolução Farroupilha, nos idos anos 1835-45, quando as tropas imperiais efetivamente passaram nessa região requisitando rebanhos e riquezas para ter poderio para combater os revoltosos da República Rio-Grandense. Sendo assim, muitos fazendeiros, para não entregar gratuitamente seus bens, enterravam algumas de suas riquezas. No entanto, como explicar o assassinato que só vai acontecer cinco anos depois de acabada a revolução?
            Segundo reza outra lenda, Inholo, ao ficar viúvo ainda bastante moço, aos 45 anos, costumava usar as jovens escravas para manter ativa sua vida sexual. Essa era uma prática comum entre senhores de escravos, como mostra a literatura especializada no tema da escravidão no Brasil[v]. A lenda se completa ao afirmar que uma dessas escravas seria a mulher do escravo Alexandre... Versão que melhor explicaria a sanha assassina dos seus matadores.
            Por outro lado, na tradição da família, conforme aparece no livro “Gavião-de-Penacho”, escrito por seu bisneto Enedino, Inholo é descrito como um “homem honrado, venturoso, fidalgo no trato e nas maneiras”, gerando as ambiguidades entre os feitos de sua história pessoal, familiar e política e as lendas geradas pelo mistério de sua morte.
            Restavam ainda outros mistérios sobre Inholo, sendo um deles o local do seu sepultamento, pois na crônica dos habitantes da localidade de São João de Pelotas se acreditava que Inholo havia sido enterrado aos pés da “Santa Cruz”. Cândida, a mãe de Enedino, neta de Inholo, porém, dizia sempre ao filho que seu avô não havia sido sepultado ali. A afirmativa popular estava, pois, contestada. Mas se não fora em Santa Cruz, aonde teria sido? A questão passou a fazer parte das dúvidas a serem esclarecidas em minha pesquisa acerca desse ancestral tão cativante e “misterioso”! Em meados de 2002 descobri no Museu do Judiciário Catarinense, em Florianópolis, o arquivamento, naquele órgão, de 500 inventários da Comarca de Lages, referentes ao período de 1840 a 1888. Dentre eles encontrava-se o de João Baptista de Souza, Inholo, arquivado junto ao de sua segunda mulher, D. Cândida dos Prazeres Córdova, falecida em 1845. Por meio dele, foi possível comprovar que Inholo fora efetivamente sepultado na cidade de Lages, pois no referido inventário consta a relação das despesas feitas com o seu funeral, como a dos músicos contratados, a dos emolumentos do padre, das velas, das flores, etc. Restou a dúvida sobre em que cemitério teria sido.
            Em pesquisa sobre esse assunto no Museu Thiago de Castro, de Lages, descobri que de 1848 a 1879 o cemitério público da vila funcionou em terreno atrás da catedral, localizado na que seria hoje a Rua Coronel Córdova, esquina com a Rua Lauro Muller, onde  está o Ginásio de Esportes Colégio Santa Rosa e o novo prédio do Colégio Diocesano. Esses dados encontram-se no Livro de Registro dos Mortos e Receita do Cemitério, da Administração Municipal da Câmara de Lages, de 1848, livro atualmente em poder do referido Museu.
            Em sua “folha de rosto” consta o seguinte (grafia original)[vi]: “Hade servir este Livro para nelle lançar a Receita do Cemitério, o qual vai por mim numerado e rubricado com minha rubrica ‘Oliveira’. Salla das Sessões da Câmara Municipal da Villa de Lages, Outubro de 1848”. Vem assinado por Antônio Saturnino de Souza e Oliveira,                                                
 Presidente da Câmara.
            Foram sepultadas naquele cemitério 953 pessoas em 31 anos. O seu primeiro administrador foi Domingos Leite, que acumulava as funções de carcereiro da cadeia pública (ganhando por essas funções setecentos mil réis) e pregoeiro da Câmara de Vereadores.
            A folhas 06, sob o número 51, consta o seguinte registro de sepultamento (grafia original): “Aos desasseis dias do mez de Agosto do Anno de mil oito centos e cincoenta deu-se Sepultura ao corpo de JOÃO BAPTISTA DE SOUZA, viúvo, idade 50 annos, natural desta Villa.” Assinado por Domingos Leite.
            Outro fato familiar interessante, relacionado à família de Inholo e cujos dados descobertos neste mesmo livro de registro do cemitério ajudam a esclarecer. Quando da leitura do inventário de Inholo apareceu o registro de uma escritura de compra feita por ele de uns campos e matos que lhe foram vendidos por sua irmã mais velha, BALDUINA MARIA DO NASCIMENTO e seu marido, ANTÔNIO LINS DE CÓRDOVA, por ter essa família transferido residência para a cidade de Santo Antônio da Lapa, Sertão de Curitiba, Província de São Paulo, no caminho dos tropeiros. Em pesquisa realizada em 2003 encontrei o registro na Paróquia da Lapa da morte de Antônio Lins de Córdova, já casado pela segunda vez, mas nada sobre Balduína, que era quem mais me interessava saber o destino. A venda dessa propriedade se deu no ano de 1848. Da Lapa vieram os documentos necessários à transação, como consta no Inventário de Inholo, de maneira que se confirma o domicílio de Antônio Lins de Córdova e Balduína Maria do Nascimento na referida cidade. Em visita ao Museu Thiago de Castro, em 2005, encontrei o registro do falecimento de Balduína, no mesmo livro onde consta o de seu irmão Inholo, com a seguinte redação (grafia original):
Sepultura número 56: “Aos veinte dias do mez de setembro do anno de mil oito centos e cincoenta, deu-se sepultura ao cadáver de BALDUINA MARIA DO NASCIMENTO, branca, natural desta Villa, casada com o Alferes Antônio Lins de Córdova. 66 annos.” Assinado por Domingos Leite.
            Como será que se deu a sua morte e sepultamento em sua cidade natal? E somente 24 dias após o de Inholo? Certamente, grande foi a tragédia vivida por toda a família nos acontecimentos descritos. Minha trisavô paterna, Maria Benta de Souza, irmã dos dois falecidos, por exemplo, tinha 60 anos quando se deram as mortes. Ela morava com seu marido, João da Silva Ribeiro (Sênior) e sua família, na sua fazenda do “Socorro”, na região “Costa da Serra”, hoje Bom Jardim, cerca de 28 léguas a cavalo da vila de Lages, local dos sepultamentos, acontecidos quase concomitantemente. Infelizmente, sem registros familiares, é impossível de se reconstituir os dramas vivenciados por esses nossos ancestrais.   


Árvore genealógica de Inholo (tronco principal).



Referências e notas


[i] F5 - JÚLIA BAPTISTA DE SOUZA (11/05/1842 - 11/05/1883), que se casou com Vidal José de Oliveira Ramos (26/12/1820 - 09/01/1908), filho de Laureano José Ramos e Maria Gertrudes de Moura.

[ii] RIBEIRO, E. B. Gavião-de-Penacho: História de um Serrano. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico, 1999.

[iii]ARQUIVO Público do Estado de Santa Catarina. Secretaria da Justiça. Reg. Nº 17.318. Carta do Juiz Municipal (Guilherme Ricken) para o Presidente da Província de Santa Catarina (Dr. João José Coutinho), com a descrição do assassinato de João Baptista de Souza.

[iv] Comutação de pena refere-se a substituição de uma pena ou sentença mais grave por uma mais branda/leve. Fonte: Dicionário jurídico, DireitoNet. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1034/Comutacao-de-pena.

[v] BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. Editora Companhia das Letras, 1992.

[vi] ADMINISTRAÇÃO Municipal da Câmara de Lages. Livro de Registro dos Mortos e Receita do Cemitério. 1848. Arquivado no Museu Thiago de Castro.

2 comentários:

  1. Óbito de Balduina:(Depalma) https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HY-X959-W1J?i=18&wc=MFKV-KM3%3A1030404201%2C1030404202%2C1030455601&cc=2177296

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  2. Prezada Ismênia, estive na data de hoje (21/out/2023) visitando o cemitério da Santa Cruz. Infelizmente o mesmo está abandonado. Mas essa placa que aparece na foto com a homenagem ao Inholo ainda lá se encontra e a fotografei.
    Vou sugerir aos seus descendentes que façam uma nova Cruz e recoloquem a placa.

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