Na
matéria de hoje, apresentamos um texto enviado por Henrique Brognoli Martins, que
descreve a passagem do primeiro Bispo Diocesano pela Serra Catarinense. Depois
de uma breve introdução, seguem relatos de um diário e escritos de Frei Rogério, que narram um pouco da viagem
do Bispo Dom José Camargo de Barros.
Frei
Rogério era o terceiro filho de João Geraldo Neuhaus e Cristina Haddick, e
nasceu em “29 de novembro de 1863, em Borken, Alemanha”[i].
O Frei “veio ser missionário no Brasil em 1891. Depois de atuar por quase três
décadas no planalto de Santa Catarina, foi transferido ao Rio de Janeiro, onde
acabou falecendo em 1934 com fama de santidade. Cuidadoso com os enfermos,
distribuía remédios homeopáticos, visitava hospitais e doentes em suas casas,
levando sacramentos e promovendo curas por meio de sua bênção” (ALMEIDA, 2019,
p. 18).
Nota:
Na próxima matéria, falaremos mais sobre Frei Rogério, que ficou conhecido na
Serra como o “Apóstolo do planalto catarinense”.
"VERDADEIRA ORIGEM DO NOME DO CAMARGO", UMA BEBIDA MATINAL TÃO
APRECIADA NA REGIÃO SERRANA CATARINENSE E GAÚCHA
(por Henrique Brognoli Martins
e João Carlos Martins Sbruzzi)
Abaixo, segue texto
do livro de Frei Rogério (Rogério Neuhaus), de 1913, sobre uma viagem a São
Joaquim em 1898, e relatos do diário de
viagem do Dom José Camargo de Barros,
bispo de Curitiba, que foi designado, aos 35 anos, pelo Papa Leão XIII, como o
primeiro Bispo de Curitiba, em 16 de janeiro de 1894. Porém, faleceu em 04 de
agosto de 1906, no naufrágio do transatlântico Sírio, no litoral da Espanha, quando retornava de
Roma.
O relato da viagem é muito interessante,
pois destaca as dificuldades de uma viagem à serra catarinense, o clima, o povo
da época, costumes e, principalmente, a hospitalidade dos moradores e fazendeiros
que acolheram a comitiva.
Nota:
Mais informações sobre O Bispo Dom José Camargo de Barros em: http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-jose-de-camargo-barros
Um fato interessante na história da
Serra Catarinene, é que o Dr. Nilo Sbruzzi, dentista, juntamente com Dr. Gil
Ungaretti, também dentista, oriundo de Laguna, atendiam o chamado dos
fazendeiros da região para tratamento dentário de seus familiares e empregados,
como era costume na época. Dessa forma, os dois acabavam percorrendo várias
fazendas, entre elas a Fazenda do Socorro, onde por conta do grande número de
pacientes, permaneceram por longa temporada.
O Dr. Nilo relatava que a bebida típica
dos serranos denominada “camargo”,
tem origem no nome do Bispo Dom Camargo,
que, quando de sua visita à região serrana de Santa Catarina, apreciou muito a
bebida.
Dr. Nilo soube da origem do nome da bebida
“camargo” pela crônica familiar, pois a
sua passagem pela Fazenda do Socorro resultou no casamento com a Maria de
Lourdes Ribeiro Martins, filha de Adolfo José Martins e Dolores de Souza e
Oliveira Ribeiro. Era também bisneta de Matheus Ribeiro, que em 1898 hospedou a
comitiva de Dom Camargo na sua Casa
de Pedra, sede da Fazenda do Socorro.
O “camargo” consiste no café preto
engrossado, com apojo (leite mais consistente da vaca, ordenhado depois de se
tirar o primeiro que é mais ralo). O clima frio dá uma personalidade única aos
costumes e tradições da região serrana, e o “camargo” é até hoje a bebida quente tradicional das manhãs geladas,
tomado quase sempre nos galpões da ordenha. Esse costume se fez presente
inicialmente na região serrana, desde a Coxilha Rica, em Lages, até a Costa da
Serra. Posteriormente, foi divulgado e adotado aos poucos por outras regiões,
inclusive a vizinha Serra Gaúcha.
Relato da Viagem
(Texto de Frei Rogério)
As
condições religiosas no Brasil nos
últimos decênios, mudaram muito. A vinda de um Bispo – havia tão poucos em todo
Brasil – a Lages era um acontecimento de todo extraórdinário.
O
primeiro bispo – conta Frei Rogério nas suas recordações – que visitou a região
serrana de Santa Catarina, foi Sua Excelência Dom José Camargo Barros, bispo de
Curitiba. Ainda hoje (1913), decorridos quinze a dezesseis anos, todos falam
com amor e veneração do piedoso e bondoso bispo, que por suas maneiras
afetuosas, ganhou todos os corações.
Veio
por Laguna e Tubarão para São Joaquim, que em 1898, pertencia a Paróquia de
Lages. O reverendo padre frei Redento tinha se encarregado dos preparativos da
recepção, chegando Sua Excelência Dom José Camargo Barros a São Joaquim em
meados de outubro de 1898, de onde prosseguira a viagem para a pequena povoação
de Painel, onde alguns dias antes, tinham chegado vários sacerdotes, a preparar
o povo para a recepção dos santíssimos sacramentos.
Pelo
fim de outubro, Sua Excelência chegou a Lages, sendo hospedado do modo mais
cordial, pelo senhor Vitor Alves Brito. Embora, nesse tempo, a maçonaria
começasse a levantar a cabeça, a população estava muito entusiasmada, sendo
grande o número dos que receberam os santíssimos sacramentos. Na Festa de Todos
os Santos e no dia de Finados, a igreja estava repleta até o último canto.
“O
Padre Redento tinha ido esperar-me em Orleans, de modo que, de Orleans para cá,
vieram o Padre Redento e o Padre Bernardo de Tubarão (Padre Bernardo Freuser,
pároco de Tubarão de 1897 a 1908). O Padre Larcher voltou para Tubarão a fim de
seguir para Desterro. Os Padres Others, Frederico e Antônio Manno ficaram em
Orleans para fazer algum serviço.”
“O
caminho vai margeando o rio Tubarão acima, depois rio Novo acima e, depois, rio
Laranjeiras acima.”
E, no dia 19, quarta-feira (outubro de
1898), há nova informação: “Levantamos às 5 horas, tomamos café, partimos às 7.
Os companheiros de Orleans aqui ficaram todos, seguimos acompanhados do
mulatinho José e do moço Polycarpo, trazidos pelo Padre Redento, este morador
do Distrito de São Joaquim, aquele de Lages.”
“Hoje
fizemos a dificílima passagem da Serra do Imaruím, gastamos de um pouso [Brusque,
uma localidade do município de Orleans] a outro pouso, (casa do Sr. Matheus
Ribeiro) [Casa de Pedra – Sede da Fazenda do Socorro], 9 horas; saímos às 7h e
chegamos às 4.”
“Ao
meio dia chegamos ao pé da serra, sestiamos e comemos um bom virado, que o
Padre Redento fez arranjar na casa de Henrique Messer... Na subida só da serra
gastamos hora e meia. O caminho é feio e horroso, em toda a minha excursão no
Paraná e neste Estado não encontrei ainda um caminho tão horroso, e como diz o
Francisco, não se pode explicar, é um caminho estreito, no fundo de uma
garganta no meio de montanhas altíssimas, formado de pedras soltas, de todos os
tamanhos e tão íngreme que o nível de 5 metros para diante na subida passa por
cima do cavalo e do cavaleiro”.
“Em
cima da serra já se descortina o aspecto, semelhante ao do Paraná, campos,
pinheiros e frio.”
“Chegamos
às 4 da tarde... às 8 horas da noite chrismei algumas pessoas da família do Sr.
Matheus Ribeiro”.
E
fala, então dos compadrios ali, adiquiridos, por ter sido padrinho de várias
pessoas daquela família, que enumera.
Neste
ponto, o diário passa para o livro nº 24 e assinala 20 de outubro,
quinta-feira, quando diz:
“Ao
meio dia, todos a cavalo, partimos para a casa do Sr. Manoel Rodrigues (Fazenda
Bonsucesso) onde chegamos às 4 da tarde: o tempo esteve muito bom... em casa do
Sr. Manoel Rodrigues nada fizemos... nos deram um jantar e um almoço no dia
seguinte”.
Já
na sexta-feira, dia 21 de outubro, as informações são mais circunstanciadas:
“Almoçamos
e partimos as 9 horas da manhã, sendo acompanhado pelo Luciano Rodrigues,
irmão, sobrinho Luis e mais alguns moços, chegando a São Joaquim às 2 horas da
tarde”.
“Do
Matheus Ribeiro ao Manoel Rodrigues, 4 léguas, e deste à Vila de São Joaquim, 5
léguas. O tempo continua muito bom, claro e fresco... Meia légua distante de
São Joaquim fomos entrados por mais de 30 cavaleiros, que da vila vieram ao
nosso encontro. Na porta da casa onde ficamos residindo nos esperavam a banda
de música e os principais do lugar. Logo que apeamos, o Juiz de Direito Dr.
Américo Cavalcanti Barros fez um discurso.”
“Às
6 horas da tarde fizemos a entrada solene, conforme o costume, sendo precedido
pela Irmandade do Santíssimo, uma turma de anjos, outra de virgens, e
acompanhado pela banda de música e todo o povo, que não é muito”.
“Aqui
encontramos os Padres Oswaldo e Meinolpho, que já estavam trabalhando em
preparação do povo.
“Tenho
observado que por aqui há muita saúde e muito vigor: são fortes, grandes e
corados.”
E,
sabado dia 22, anota que crismou 130 pessoas. Já no domingo 23, merece alguns
registros especiais:
“Do
meio dia às duas paguei as seguintes visitas: Família Palma, João Pereira,
Antonio Pereira, Matheus Ribeiro, Bernardino Esteves, etc.
Às
2 horas chrismei 271 pessoas.
O
tempo tem estado esplêndido, de dia um sol radiante, de noite um luar magnífico
e doce”.
E,
na segunda-feira, dia 24, à tarde, fez visitas de despedida.
Finalizou
a sua visita a São Joaquim, dia 25 de outubro de 1898, do que afirma:
“Celebrei
às 8 horas e, em seguida, chrismei ainda 43 pessoas, perfazendo o número
de chrismas em São Joaquim, mais de 700.
Almoçamos e, ao meio dia, acompanhados pela música e por todas as famílias,
fomos a pé até o fim da rua, onde montamos a cavalo e fomos acompanhandos, até
uma certa altura, por mais de 150 cavaleiros.”
“O
Manoel Pereira, que já tinha enviado antes sua mulher, nos acompanhou até sua
fazenda, onde descansamos um pouco e tomamos um café com muita mistura.”
“Chegamos,
ao entrar do sol, em casa do Zeca Thomás, que está perto da margem do grande
rio Lava Tudo”.
“Jantamos
às 9 horas da noite, feijão e peixe frito, arroz e galinha”.
E,
no dia 26, quarta-feira, as informações são deste tom:
“O
Padre Redento, às 5:30 partiu para o Painel, a fim de tomar as providências
para nossa chegada”... “Tomamos um bom leite e às 8:30 almoçamos: feijão e peixe, arroz com carne picada e café
.....às 10 horas partimos, tendo atravessado o Rio Lavatudo em canoa. Do outro
lado do rio, montamos e partimos em direção ao Painel, pequena povoação, que não
é ainda paróquia, nem freguesia.”... “fomos encontrados por 150 cavaleiros,
tendo a frente o incansável Padre Redento, que havia tudo arranjado para nossa
chegada.”
“Tendo
partido às 10 horas, aqui chegamos às 2 da tarde”...
“Aqui
(Painel) não tem música, nem irmandade”.
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A título de
curiosidade, acrescentamos abaixo a assinatura de Frei Rogério, que consta em
um documento localizado no site
Family Search.
Assinatura de Frei Rogério em documento no site Family Search, Registros de batismo, São Joaquim, Igreja Católica, 1714-1977. |
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Fontes:
ALMEIDA,
J. F. Atos dos Bons Samaritanos – Romanização e Medicalização na Vida de
Religiosos Católicos. Tese de doutorado,
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2019. Disponível
em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/194453/001093312.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em: 14 de agosto de 2019.
ARQUEDIOCESE de São Paulo,
História dos Bispos e Arcebispos. Dom
José Camargo de Barros, 12º Bispo Diocesano (1903-1906). Disponível em: Bispo
Dom José Camargo de Barros em: http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-jose-de-camargo-barros.
CADERNOS de Blumenau - Livro do
Frei Rogério 1913.
Contribuições: João Carlos
Martins Sbruzzi e Henrique Brognoli Martins.
FAMILY SEARCH, Registros de
batismo, São Joaquim, Igreja Católica, 1714-1977.
REVISTA do Instituto Histórico e
Geográfico de SC ano 1984.
Relatos de Nilo Sbruzzi e Manoel Cecilio
Ribeiro Martins.
[i] FRANCISCANOS, Província
Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Frei Rogério Neuhaus. Disponível em: https://franciscanos.org.br/quemsomos/personagens/frei-rogerio-neuhaus/.
Acesso em 04 set. 2019.
Olá, gostaria muito de um email para contato, para obter mais informações. Grato
ResponderExcluirBom dia!
ExcluirPode escrever para menokaribeiro@gmail.com ou crisbudde@gmail.com
Att.,
Ismênia.