quarta-feira, 4 de setembro de 2019

O PRIMEIRO BISPO NA SERRA CATARINENSE E OUTRAS CURIOSIDADES


        
Na matéria de hoje, apresentamos um texto enviado por Henrique Brognoli Martins, que descreve a passagem do primeiro Bispo Diocesano pela Serra Catarinense. Depois de uma breve introdução, seguem relatos de um diário e escritos de Frei Rogério, que narram um pouco da viagem do Bispo Dom José Camargo de Barros.
Frei Rogério era o terceiro filho de João Geraldo Neuhaus e Cristina Haddick, e nasceu em “29 de novembro de 1863, em Borken, Alemanha”[i]. O Frei “veio ser missionário no Brasil em 1891. Depois de atuar por quase três décadas no planalto de Santa Catarina, foi transferido ao Rio de Janeiro, onde acabou falecendo em 1934 com fama de santidade. Cuidadoso com os enfermos, distribuía remédios homeopáticos, visitava hospitais e doentes em suas casas, levando sacramentos e promovendo curas por meio de sua bênção” (ALMEIDA, 2019, p. 18).

Nota: Na próxima matéria, falaremos mais sobre Frei Rogério, que ficou conhecido na Serra como o “Apóstolo do planalto catarinense”.


"VERDADEIRA ORIGEM DO NOME DO CAMARGO", UMA BEBIDA MATINAL TÃO APRECIADA NA REGIÃO SERRANA CATARINENSE E GAÚCHA
(por Henrique Brognoli Martins
e João Carlos Martins Sbruzzi)


Abaixo, segue texto do livro de Frei Rogério (Rogério Neuhaus), de 1913, sobre uma viagem a São Joaquim em 1898, e relatos do diário de viagem do Dom José Camargo de Barros, bispo de Curitiba, que foi designado, aos 35 anos, pelo Papa Leão XIII, como o primeiro Bispo de Curitiba, em 16 de janeiro de 1894. Porém, faleceu em 04 de agosto de 1906, no naufrágio do transatlântico Sírio, no litoral da Espanha, quando retornava de Roma.

O relato da viagem é muito interessante, pois destaca as dificuldades de uma viagem à serra catarinense, o clima, o povo da época, costumes e, principalmente, a hospitalidade dos moradores e fazendeiros que acolheram a comitiva.

Nota: Mais informações sobre O Bispo Dom José Camargo de Barros em: http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-jose-de-camargo-barros

Um fato interessante na história da Serra Catarinene, é que o Dr. Nilo Sbruzzi, dentista, juntamente com Dr. Gil Ungaretti, também dentista, oriundo de Laguna, atendiam o chamado dos fazendeiros da região para tratamento dentário de seus familiares e empregados, como era costume na época. Dessa forma, os dois acabavam percorrendo várias fazendas, entre elas a Fazenda do Socorro, onde por conta do grande número de pacientes, permaneceram por longa temporada.

O Dr. Nilo relatava que a bebida típica dos serranos denominada “camargo”, tem origem no nome do Bispo Dom Camargo, que, quando de sua visita à região serrana de Santa Catarina, apreciou muito a bebida.

 Dr. Nilo soube da origem do nome da bebida “camargo” pela crônica familiar,  pois a sua passagem pela Fazenda do Socorro resultou no casamento com a Maria de Lourdes Ribeiro Martins, filha de Adolfo José Martins e Dolores de Souza e Oliveira Ribeiro. Era também bisneta de Matheus Ribeiro, que em 1898 hospedou a comitiva de Dom Camargo na sua Casa de Pedra, sede da Fazenda do Socorro.

O “camargo” consiste no café preto engrossado, com apojo (leite mais consistente da vaca, ordenhado depois de se tirar o primeiro que é mais ralo). O clima frio dá uma personalidade única aos costumes e tradições da região serrana, e o “camargo” é até hoje a  bebida quente tradicional das manhãs geladas, tomado quase sempre nos galpões da ordenha. Esse costume se fez presente inicialmente na região serrana, desde a Coxilha Rica, em Lages, até a Costa da Serra. Posteriormente, foi divulgado e adotado aos poucos por outras regiões, inclusive a vizinha Serra Gaúcha.


Relato da Viagem
(Texto de Frei Rogério)

As condições religiosas  no Brasil nos últimos decênios, mudaram muito. A vinda de um Bispo – havia tão poucos em todo Brasil – a Lages era um acontecimento de todo extraórdinário.

O primeiro bispo – conta Frei Rogério nas suas recordações – que visitou a região serrana de Santa Catarina, foi Sua Excelência Dom José Camargo Barros, bispo de Curitiba. Ainda hoje (1913), decorridos quinze a dezesseis anos, todos falam com amor e veneração do piedoso e bondoso bispo, que por suas maneiras afetuosas, ganhou todos os corações.

Veio por Laguna e Tubarão para São Joaquim, que em 1898, pertencia a Paróquia de Lages. O reverendo padre frei Redento tinha se encarregado dos preparativos da recepção, chegando Sua Excelência Dom José Camargo Barros a São Joaquim em meados de outubro de 1898, de onde prosseguira a viagem para a pequena povoação de Painel, onde alguns dias antes, tinham chegado vários sacerdotes, a preparar o povo para a recepção dos santíssimos sacramentos.

Pelo fim de outubro, Sua Excelência chegou a Lages, sendo hospedado do modo mais cordial, pelo senhor Vitor Alves Brito. Embora, nesse tempo, a maçonaria começasse a levantar a cabeça, a população estava muito entusiasmada, sendo grande o número dos que receberam os santíssimos sacramentos. Na Festa de Todos os Santos e no dia de Finados, a igreja estava repleta até o último canto.

“O Padre Redento tinha ido esperar-me em Orleans, de modo que, de Orleans para cá, vieram o Padre Redento e o Padre Bernardo de Tubarão (Padre Bernardo Freuser, pároco de Tubarão de 1897 a 1908). O Padre Larcher voltou para Tubarão a fim de seguir para Desterro. Os Padres Others, Frederico e Antônio Manno ficaram em Orleans para fazer algum serviço.”

“O caminho vai margeando o rio Tubarão acima, depois rio Novo acima e, depois, rio Laranjeiras acima.”

E, no dia 19, quarta-feira (outubro de 1898), há nova informação: “Levantamos às 5 horas, tomamos café, partimos às 7. Os companheiros de Orleans aqui ficaram todos, seguimos acompanhados do mulatinho José e do moço Polycarpo, trazidos pelo Padre Redento, este morador do Distrito de São Joaquim, aquele de Lages.”
“Hoje fizemos a dificílima passagem da Serra do Imaruím, gastamos de um pouso [Brusque, uma localidade do município de Orleans] a outro pouso, (casa do Sr. Matheus Ribeiro) [Casa de Pedra – Sede da Fazenda do Socorro], 9 horas; saímos às 7h e chegamos às 4.”

“Ao meio dia chegamos ao pé da serra, sestiamos e comemos um bom virado, que o Padre Redento fez arranjar na casa de Henrique Messer... Na subida só da serra gastamos hora e meia. O caminho é feio e horroso, em toda a minha excursão no Paraná e neste Estado não encontrei ainda um caminho tão horroso, e como diz o Francisco, não se pode explicar, é um caminho estreito, no fundo de uma garganta no meio de montanhas altíssimas, formado de pedras soltas, de todos os tamanhos e tão íngreme que o nível de 5 metros para diante na subida passa por cima do cavalo e do cavaleiro”.

“Em cima da serra já se descortina o aspecto, semelhante ao do Paraná, campos, pinheiros e frio.”

“Chegamos às 4 da tarde... às 8 horas da noite chrismei algumas pessoas da família do Sr. Matheus Ribeiro”.

E fala, então dos compadrios ali, adiquiridos, por ter sido padrinho de várias pessoas daquela família, que enumera.
Neste ponto, o diário passa para o livro nº 24 e assinala 20 de outubro, quinta-feira, quando diz:
“Ao meio dia, todos a cavalo, partimos para a casa do Sr. Manoel Rodrigues (Fazenda Bonsucesso) onde chegamos às 4 da tarde: o tempo esteve muito bom... em casa do Sr. Manoel Rodrigues nada fizemos... nos deram um jantar e um almoço no dia seguinte”.

Já na sexta-feira, dia 21 de outubro, as informações são mais circunstanciadas:
“Almoçamos e partimos as 9 horas da manhã, sendo acompanhado pelo Luciano Rodrigues, irmão, sobrinho Luis e mais alguns moços, chegando a São Joaquim às 2 horas da tarde”.

“Do Matheus Ribeiro ao Manoel Rodrigues, 4 léguas, e deste à Vila de São Joaquim, 5 léguas. O tempo continua muito bom, claro e fresco... Meia légua distante de São Joaquim fomos entrados por mais de 30 cavaleiros, que da vila vieram ao nosso encontro. Na porta da casa onde ficamos residindo nos esperavam a banda de música e os principais do lugar. Logo que apeamos, o Juiz de Direito Dr. Américo Cavalcanti Barros fez um discurso.”

“Às 6 horas da tarde fizemos a entrada solene, conforme o costume, sendo precedido pela Irmandade do Santíssimo, uma turma de anjos, outra de virgens, e acompanhado pela banda de música e todo o povo, que não é muito”.

“Aqui encontramos os Padres Oswaldo e Meinolpho, que já estavam trabalhando em preparação do povo.
“Tenho observado que por aqui há muita saúde e muito vigor: são fortes, grandes e corados.”

E, sabado dia 22, anota que crismou 130 pessoas. Já no domingo 23, merece alguns registros especiais:

“Do meio dia às duas paguei as seguintes visitas: Família Palma, João Pereira, Antonio Pereira, Matheus Ribeiro, Bernardino Esteves, etc.
Às 2 horas chrismei 271 pessoas.
O tempo tem estado esplêndido, de dia um sol radiante, de noite um luar magnífico e doce”.

E, na segunda-feira, dia 24, à tarde, fez visitas de despedida.
Finalizou a sua visita a São Joaquim, dia 25 de outubro de 1898, do que afirma:

“Celebrei às 8 horas e, em seguida, chrismei ainda 43 pessoas, perfazendo o número de  chrismas em São Joaquim, mais de 700. Almoçamos e, ao meio dia, acompanhados pela música e por todas as famílias, fomos a pé até o fim da rua, onde montamos a cavalo e fomos acompanhandos, até uma certa altura, por mais de 150 cavaleiros.”

“O Manoel Pereira, que já tinha enviado antes sua mulher, nos acompanhou até sua fazenda, onde descansamos um pouco e tomamos um café com muita mistura.”

“Chegamos, ao entrar do sol, em casa do Zeca Thomás, que está perto da margem do grande rio Lava Tudo”.

“Jantamos às 9 horas da noite, feijão e peixe frito, arroz e galinha”.

E, no dia 26, quarta-feira, as informações são deste tom:

“O Padre Redento, às 5:30 partiu para o Painel, a fim de tomar as providências para nossa chegada”... “Tomamos um bom leite e às 8:30 almoçamos:  feijão e peixe, arroz com carne picada e café .....às 10 horas partimos, tendo atravessado o Rio Lavatudo em canoa. Do outro lado do rio, montamos e partimos em direção ao Painel, pequena povoação, que não é ainda paróquia, nem freguesia.”... “fomos encontrados por 150 cavaleiros, tendo a frente o incansável Padre Redento, que havia tudo arranjado para nossa chegada.”

“Tendo partido às 10 horas, aqui chegamos às 2 da tarde”...
“Aqui (Painel) não tem música, nem irmandade”.    

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A título de curiosidade, acrescentamos abaixo a assinatura de Frei Rogério, que consta em um documento localizado no site Family Search.

Assinatura de Frei Rogério em documento no site Family Search, Registros de batismo, São Joaquim, Igreja Católica, 1714-1977.


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Fontes:

ALMEIDA, J. F. Atos dos Bons Samaritanos – Romanização e Medicalização na Vida de Religiosos Católicos. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2019. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/194453/001093312.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 de agosto de 2019.

ARQUEDIOCESE de São Paulo, História dos Bispos e Arcebispos. Dom José Camargo de Barros, 12º Bispo Diocesano (1903-1906). Disponível em: Bispo Dom José Camargo de Barros em: http://www.arquisp.org.br/historia/dos-bispos-e-arcebispos/bispos-diocesanos/dom-jose-de-camargo-barros.

CADERNOS de Blumenau - Livro do Frei Rogério 1913.

Contribuições: João Carlos Martins Sbruzzi e Henrique Brognoli Martins.

FAMILY SEARCH, Registros de batismo, São Joaquim, Igreja Católica, 1714-1977.

REVISTA do Instituto Histórico e Geográfico de SC ano 1984.

Relatos de Nilo Sbruzzi e Manoel Cecilio Ribeiro Martins.


[i] FRANCISCANOS, Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Frei Rogério Neuhaus. Disponível em: https://franciscanos.org.br/quemsomos/personagens/frei-rogerio-neuhaus/. Acesso em 04 set. 2019.

2 comentários:

  1. Olá, gostaria muito de um email para contato, para obter mais informações. Grato

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    1. Bom dia!
      Pode escrever para menokaribeiro@gmail.com ou crisbudde@gmail.com

      Att.,
      Ismênia.

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