Dando
continuidade à matéria anterior sobre o Dr. Agripa de Castro Faria,
apresentamos alguns trechos do livro “Gavião-de-Penacho: memórias de um serrano”,
de Enedino Batista Ribeiro (1999). Eles narram um pouco da história do médico
na cidade de São Joaquim e da sua parceria com Enedino, farmacêutico na cidade.
Inicialmente,
Enedino discorre sobre a compra que fez da farmácia de Hilário Bleyer, farmacêutico
prático. Segundo o relato, o Sr. Bleyer afirmava ter o objetivo de se
estabelecer em outra localidade, e não mais em São Joaquim (SC). Contudo,
depois de seis meses, ele abriu uma nova farmácia no município, recebendo os
receituários do Dr. Módena.
Assim
Enedino (1999, p. 474-475[i]) descreveu
os fatos:
“O Sr. Hilário
Bleyer [...] com a conivência do Dr. Módena, começou a fazer-me, na farmácia,
uma concorrência desabusada e desleal, procurando incompatibilizar-me com a
opinião pública da minha terra.
E como ninguém
é rei em sua terra, eu levava a pior, caindo vertiginosamente o movimento da
farmácia por falta de receituário. Eu não tinha, legalmente, meios de combater
o meu concorrente, que tinha farmacêutico diplomado, que dava nome à sua
farmácia.
De qualquer
forma, eu precisava lutar, mas para isso precisava ter, pelo menos, um médico que
receitasse para a minha farmácia, e foi o que fiz. Em fins de julho, vim com
Lídia, minha esposa, a Florianópolis, hospedando-nos no Hotel Moura, na Praça
XV de Novembro. O principal objetivo de nossa viagem à Capital do Estado era
arranjar um médico que quisesse ir clinicar em São Joaquim, receitando
exclusivamente para minha farmácia, no sentido de enfrentar a difícil situação
criada pelo Sr. Hilário Bleyer e pelo Dr. Vicente de Módena.
De passagem
por Lauro Müller, entrei em contato com o Dr. Agripa de Castro Faria, que ali
exercia a medicina. Depois de lhe explicar minuciosamente a situação – de
verdadeira guerra das farmácias -, Dr. Agripa me disse que iria para São
Joaquim clinicar, receitando só para a minha farmácia, desde que eu lhe
arranjasse clientela. Gostei do moço, da sua franqueza, me parecendo um homem
leal.
De regresso a
São Joaquim, estudei a situação e conversei com os amigos, inclusive com todos os
membros da família de minha mulher.
Recebendo
apoio de grande número de amigos e parentes, conversei outra vez com o Dr.
Agripa, ficando determinada a sua ida para São Joaquim, nas condições por nós
estabelecidas.”
Na
sequência, Enedino destinou um subtítulo de seu livro ao Dr. Agripa, conforme
segue abaixo:
Agosto de 1926
Dr. Agripa de Castro Faria
Texto de Enedino
Batista Ribeiro (1999, pgs. 475-477[i])
"Vindo
de Lauro Müller, em condução fornecida por mim, chegou a esta cidade [São
Joaquim-SC] o Dr. Agripa de Castro Faria, médico natural da cidade de Campos,
do Estado do Rio de Janeiro.
Fui
esperar o novo médico nas Tijucas, em casa do meu cunhado Antônio Vieira do
Amaral, cuja mulher, minha mana Olívia, encontrava-se doente, ameaçada de
aborto. Os detalhes já não lembro, mas sei que ela foi o primeiro doente que o
Dr. Agripa atendeu em São Joaquim.
Demonstrou
desde logo que era bom médico na sua especialidade – Clínica Médica -,
impondo-se, de imediato, à confiança do público.
Conforme
já contei em capítulo anterior, o Dr. Agripa vinha receitar exclusivamente para
a minha farmácia. Foi sempre de uma lealdade absoluta, nunca receitando para a
outra farmácia. [...]
De minha vez
não perdia tempo, tratava de angariar clientes para o Dr. Agripa, entre os meus
amigos e parentes. Foi uma luta dura, férrea e que durou anos.
Dr. Agripa
morou sempre conosco em casa; era como um irmão. Só nos deixou depois de quase
três anos de convivência diária, no dia de seu casamento, para morar na sua
própria casa.
O novo
facultativo era homem simples, de gênio alegre e folgazão, de sorte que caiu no
gosto do povo, fazendo boa amizade e franca camaradagem com os joaquinenses,
que viam um amigo no novo médico. Igualmente, logo assimilou nossos costumes e
até carreirista ficou, apreciando muito esse esporte, assistindo e mesmo atando
corridas de cavalos, tendo gasto boa soma de dinheiro.
Era de se ver
e ouvir o Dr. Agripa, ao pé do fogo, falando em corridas, naquele linguajar
floreado e pitoresco dos aficionados do querido esporte serrano.
Dessa forma,
terminou o ano de 1926, fazendo, o Dr. Agripa boa clínica com o seu consultório
sempre repleto de clientes, além das viagens frequentes que fazia a cavalo pelo
interior do município, viagens penosas e cansativas, sempre, porém, muito
lucrativas."
Referência
RIBEIRO, Enedino Batista. Gavião-de-Penacho: memórias de um
serrano. Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC); co-edição
da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: IHGSC,
1999.
[i]
Com correções de Ismênia Ribeiro Schneider, novembro de 2017.