sábado, 25 de setembro de 2010

Mensagem da Família Palma Ribeiro na Sessão Solene (26/05/99) do IHGSC, em homenagem ao centenário de nascimento de seu Progenitor

Certamente, por ser eu, entre nove irmãos, a mais nova dos mais velhos e a mais velha dos mais novos e, por essa razão, em muitas ocasiões, elo de ligação entre todos, fui escolhida para, em seu nome, agradecer a presença dos amigos nesta homenagem a nosso Pai, promovida por ninguém mais do que a entidade cultural mais antiga e, sem dúvida, uma das mais prestigiosas de nosso Estado – o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Permite a decisão desta entidade que se resgate a memória de um de seus pares que, se por mais não fora, legou à sua descendência e à juventude de seu Estado valioso testemunho de honra, lealdade, bondade, senso de justiça, trabalho e amor à família e à pátria.
Em 1985, Enedino Batista Ribeiro, indicado por seu amigo, conhecedor de sua obra, o ilustre historiador, embaixador Licurgo Costa, foi recebido nesta casa de saber em emocionante sessão solene, presidida pelo eminente professor Vitor Peluso Júnior, de saudosa memória. Desde então, até sua morte, acompanhou, com muito carinho, os trabalhos do Instituto, apesar de pouco freqüentar as sessões ordinárias, devido ao seu precário estado de saúde.
Acontecendo, neste ano, o centenário do seu nascimento, decidiu o IHGSC comemorar festivamente a data, ao correr de todo o período, através de várias atividades culturais, dentre as quais se destacam esta Sessão Solene e a publicação, em data ainda não confirmada, de um livro de memórias, escrito pelo homenageado ao longo da vida.
A imagem do homem público, do professor, do escritor e historiador, do pecuarista serrano nos foi resgatada pelo eminente orador da casa, também serrano, desembargador Carlos Alberto Silveira Lenzi, com a maestria que a sua qualidade de homem de letras já nos permitia vislumbrar. Ficamos-lhe devedores desses elucidativos momentos de recordação, durante os quais nosso querido pai de novo esteve entre nós.
A mim me cabe o prazer de lhes mostrar, em rápidas pinceladas, um pouco do pai e do amigo que foi Enedino Ribeiro.
Cada família possui uma história, diria, “secreta,” porque não conhecida das demais pessoas fora do círculo familiar, que se concretiza segundo um código de conduta, embasado nos valores morais e culturais que o casal carrega para o matrimônio. Mas o que é um casal, afinal? É a simbiose de duas personalidades, de dois corações que na troca de experiências vivenciais comuns, passam a formar uma identidade única, a tal ponto homogênea que não se consegue mais distinguir o que pertencia à bagagem afetivo-cultural de cada um dos cônjuges.
Tivemos o privilégio de ser filhos de um casal cuja identidade era perfeita, o que permitiu que nos criássemos sem traumas, porque sabíamos que, sob nossos pés, a rocha firma daquele amor era a salvaguarda da nossa integridade.
O nosso lar viveu sempre, como sua característica principal, a realidade de abrigar uma vida joaquinense, radicada e perfeitamente aculturada nesta capital. Tivemos uma vida um pouco diferente das demais famílias florianopolitanas, porque bipolarizada: de março a começo de dezembro permanecíamos na velha casa de estilo colonial, da Praça Getúlio Vargas, onde a tônica era o estudo dos jovens, justificando a meta maior de nossos pais, que era propiciar estudo universitário a todos os filhos. Havia no casarão dois centros nervosos: de um lado, a cozinha e a sala de jantar da “tia” Lydia (apelido carinhoso, “tio” e “tia”, com que os joaquinenses se tratam), onde acontecia a vida em grupo. Uma mesa para quinze ou mais pessoas congregava os ânimos. A um canto, um grande quadro de giz surpreendia pelo inusitado. Muitas vezes a comida esfriava para que algum de nós apresentasse algum problema, um desafio, que passava a ser discutido, no quadro, por todos. Essa parte da casa era o destino natural dos que iam chegando, pois ali ficava o reduto daquela que era o elo efetivo e afetivo de todos, nossa serena e amorosa mãe. Em lugar mais central encontrava-se o “gabinete do tio Nida”, o paciente e exímio mestre: foi ali, principalmente, que aprendemos a amar a História, a Geografia, a Literatura, a Música, a Astronomia, todos os saberes, já que todos era objeto de seu interesse. Ali aconteciam as conversas pessoais, as “consultas”, o intercâmbio de idéias. Rodeado de livros, sentado a uma grande escrivaninha, passava nosso pai suas horas de ócio, a ler e escrever. Estava, porém, sempre disponível para conversar, sempre desejoso de orientar e ajudar, aliás, não só em seu gabinete, mas em qualquer local e a qualquer hora.
No final da década de 1940 e em toda a de 50, época de nossa juventude, poucas famílias possuíam, em Florianópolis, telefone, carro ou televisão. O lazer da mocidade consistia na leitura, no cinema e nos bailes, nas “soirrées-dançantes”, ora no clube “Doze de Agosto”, ora no “Lira Tênis Clube”. Às moças não era permitido freqüentar, desacompanhadas, esses ambientes. Durante muitos anos, nos finais de semana, a tarefa de nossos pais era nos acompanhar. Hoje, imagino que tal obrigação lhes fosse pesada, mas na época nunca os sentimos contrariados em nos proporcionar tal distração. Sob seus cuidados nos acompanhavam outras meninas, vizinhas, primas ou colegas. Somente quando os filhos homens foram considerados “responsáveis”, é que assumiram a missão de acompanhar as irmãs. A partir daí, creio que num discreto sistema de controle, criou-se o hábito de irmos ao quarto do casal “contar as novidades”, tão logo voltássemos para casa.
Uma estratégia utilizada para estreitar os laços de amizade entre os irmãos era, nas brigas, não dar razão a ninguém. Quando achava necessário, castigava igualmente os contendores, que eram obrigados, depois, a se beijarem e se abraçarem. Não havia raiva ou mágoa que resistisse a esse método...
Procuravam nossos pais não mostrar preferência por nenhum filho. Todos nos considerávamos igualmente amados e importantes. Por isso, não sentíamos ciúmes uns dos outros. Nem mesmo quando alguém recebia alguma regalia. Se fora concedida, era porque se tornara necessária.
Uma das características mais marcantes da personalidade de nosso homenageado era o amor à verdade. Sempre nos dizia: “Quem diz a verdade, não merece castigo”. Cumpria à risca o ditado, mas passava mal aquele que não o seguisse, menos pelo corretivo do que por ver o desgosto de que era tomado nosso pai.
Com os dois aprendemos o dom da hospitalidade: nossa casa estava permanentemente aberta aos amigos e parentes. Havia sempre um lugar à mesa, ou uma cama para a visita inesperada. Criados em duas famílias numerosas, sentiam-se à vontade e contentes rodeados por muitas pessoas.
Outro traço que distinguia nosso Pai era o grande amor que nutria por sua terra natal. Sentia uma profunda nostalgia das paragens de sua infância. Hoje, sentimos não o termos acompanhado mais vezes a São João de Pelotas, a fazenda onde nasceu, na divisa com o Rio Grande do Sul, na costa do Rio Pelotas.
O Segundo Pólo de nossa vida transcorria de dezembro a março, na pequena fazenda que possuíamos a 25 Km de São Joaquim. Era o nosso paraíso. Ali se fortalecia o sentimento de camaradagem, pois o grupo se tornava mais coeso e alegre, para melhor usufruir as delícias que nos eram proporcionadas: passeios a pé e a cavalo, participação nas lides campeiras, nos rodeios, etc. De manhã cedo, éramos despertados para tomar, na cama, o camargo, típica bebida serrana, feita de café forte e açúcar, sobre o qual era tirado diretamente o leite. Ficava um café denso e espumoso, considerado pelo Pai com um “fortificante natural”.
Durante essa temporada, uma das nossa maiores alegrias eram os passeios à cidade, principalmente para o baile de gala do Clube “Astréa”, no começo do ano. Cada um ficava na casa de um tio diferente, mas na hora da entrada no baile, porque se tornara um acontecimento na cidade, entrávamos juntos, os onze. A festa era animada pelo famoso conjunto “Jazz Pedacinho do Céu” que, à nossa chegada, parava o que estivesse tocando, para nos receber com o tango “Sonho Azul”, emblema da família.
À noite, no sítio, nos reuníamos na “cozinha de chão”, onde era aceso um fogo, ao redor do qual nos sentávamos a contar “causos” de cobras, de assombração, de histórias das famílias Palma e Ribeiro, comendo milho verde ou pinhão, assados no borralho. Nas noites muito escuras e secas, quando o céu parecia um veludo negro bordado de dourado, saíamos a estudar os astros. O professor estava sempre a mão...
O gado de leite conhecia o Pai e o rodeava quando ia distribuir o sal. Houve um caso que ficou famoso nas redondezas, o do “Amigo”, um grande touro de puro sangue holandês, levado ainda bezerro para a fazenda. Afeiçoou-se ao dono de tal modo que, mesmo adulto, quando o via, aproximava-se para um carinho, baixando a enorme cabeça de chifres pontiagudos. Depois o seguia docilmente por toda a parte, à moda dos cães. Certa vez, eu lhe pedi para também  passar a mão por entre as aspas, o que  deixou que fizesse “somente estando com ele e uma única vez”. Só fui me assustar uns dias depois, quando “Amigo”, num acesso de ciúme, levantou nas aspas um grande boi-carreiro e o jogou do outro lado de uma cerca de tábuas de uns dois metros de altura.
Possuía Enedino grande conhecimento, empírico e científico sobre as cobras, pois as estudava continuamente. Exerciam sobre ele um enorme fascínio. Em São João de Pelotas elas abundavam: jararacas, cotiaras, urutus e, na barranca pedregosa do grande rio, cascavéis. Havia também uma cobra muito feia, brava e grande, realmente assustadora, mas que não era venenosa, e que tinha o mérito de limpar os campos de ratos e cobras peçonhentas. Chamava-se muçurana. Tio Nida proibia a sua matança em suas terras, explicando aos caboclos as razões de sua ordem. De nada adiantava, pois os nativos a temiam, não a distinguindo das venenosas. Assisti à lição cabal que meu pai deu para os convencer. Reuniu todos e mostrou uma caixa grande de papelão onde dormia uma delas. Explicou-lhes as características de umas e de outras, que providências tomar em caso de picada por uma das venenosas, e porque não deviam matar as muçuranas. Em seguida, com um pau, incitou a cobra, irritando-a, após o que a levantou pelo rabo, explicando que ia se deixar morder na mão, para que vissem como nada de mal lhe acontecia. Assim fez. Em seguida, bem perto de todos, largou a cobra, que fugiu para o mato. Avisou que dali para frente, pagaria uma certa quantia por cada muçurana que lhe fosse entregue viva...

Prezados Amigos!
Espero que os esparsos fatos narrados tenham tido o poder de fazê-los conhecer um pouco do caráter e da personalidade daquele pai, tão decisivo na formação dos nove filhos e das gerações que o estão sucedendo.
Nesta noite hibernal, em que aqui viemos com espírito relaxado e receptivo para uma volta ao passado, nesta homenagem prestada a Enedino Ribeiro, desejamos, mais uma vez, agradecer ao IHGSC os momentos vividos, de emoção e saudade, e aos amigos o prazer de os terem compartilhado conosco.
Para a família, neste momento, se tornam mais que nunca verdadeiros os versos de nosso velho poeta Casimiro de Abreu:
“Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!”

Obrigada!

Ismênia Ribeiro Schneider

Quem foi Enedino Batista Ribeiro?

Nasceu em São Joaquim, SC, a 14 de maio de 1899,  filho de família das mais tradicionais e antigas do município, os Ribeiros. Teve entre seus ancestrais figuras humanas e políticas importantes na definição dos caracteres específicos de nossa cidadania, como o avô paterno, Cel. João Ribeiro (1819 – 1894), político tão importante em sua época que foi homenageado por seus contemporâneos com a designação do seu nome para as  praças centrais Lages e São Joaquim; o avô materno, João Batista de Souza (1800 - 1850), “Inholo”, também fazendeiro e político; o pai, João Batista Ribeiro de Souza (1860 – 1944), mais conhecido por “Seu Batista”, figura de proa em sua época.
Casado com Lydia Palma, em 24 de abril de 1926, também de tradicional família joaquinense, com ela teve nove filhos. Querendo propiciar-lhes continuidade nos estudos, inclusive curso superior, oportunidade que São Joaquim ainda não oferecia a seus jovens, radicou-se em Florianópolis. Jamais, porém, ele e a família desligaram-se da cidade natal. Até avançada idade manteve uma pequena fazenda na região do Pericó, para onde todos se deslocavam tão logo acabava o ano letivo. Conseguiu, assim, cumprir importante desiderato, o de cultivar nos filhos o amor e o apego a São Joaquim. Pelos anos afora, os laços de parentesco continuaram fortes, extrapolando, porém, dessas relações familiares para um convívio fraternal com toda a comunidade joaquinense.
Formado em Farmácia no Rio de Janeiro, em 1923, “Seu Tinoco”, como era conhecido, abriu em São Joaquim uma farmácia, por pouco tempo. Em seguida, foi tabelião, função que o obrigava a viajar a cavalo por todo o município. Foi durante esse período que passou a conhecer profundamente cada rincão de sua terra, suas riquezas e seus problemas.
Em conseqüência dessa consciência cívica, passou a se interessar por política, única forma que considerava viável para o cidadão interferir nos destinos de sua comunidade. Isolado entre montanhas, sem estradas, sem telefones, etc, o município de São Joaquim era refém de sua geografia e, conseqüentemente, do seu atraso. O fato era uma preocupação constante para o brioso joaquinense: ver sua terra sempre preterida nas políticas de desenvolvimento do Estado, motivo de indignação e revolta.
Já residindo na Capital, mais perto do poder, decidiu candidatar-se a deputado, para efetivamente ter condições de ajudar a reverter as circunstâncias adversas de sua terra. Como deputado estadual conseguiu aprovar vários projetos que se mostraram decisivos para a inserção do município no caminho do desenvolvimento, alguns deles descritos na primeira parte desta resenha.
Em Florianópolis desempenhou várias outras funções:
-         Presidente da Comissão Estadual de Abastecimento e Preços ( 1954 – 56);
-         Diretor Comercial da Empresa Luz e Força de SC/a 91956 – 59);
-         Inspetor Geral, interino, da Inspetoria de Veículos e Trânsito Público de SC ( 1956);
-         2º Oficial do Registro de Imóveis de Florianópolis ( 1959 – 1960) – quando se aposentou;
-         Representante do Governo do Estado junto ao Conselho Regional do Serviço Social Rural ( 1959 – 1961);
-         Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de SC ( Disciplina: Farmacognosia), onde se aposentou.
Enedino Ribeiro distinguiu-se também como escritor e historiador, apesar de ser pequena a parcela publicada de sua obra. Dela destacamos a “Monografia de São Joaquim”, de 1941, até há pouco tempo única fonte de pesquisa sobre o município. Como professor titular da cadeira de Farmacognosia, da Universidade Federal de Santa Catarina, publicou um livro didático ( em1959) sobre sua especialidade, que igualmente se notabilizou por sua raridade.
Foi somente após sua morte que os filhos começaram a ler, com mais atenção, os cinco volumes de memórias que havia escrito ao longo dos anos. Surpresos com a quantidade de informações sobre a história, os costumes, as tradições da Região Serrana neles contidas, resolveram levar os escritos à avaliação técnica e imparcial de especialistas, o que foi feito primeiramente pelo historiador, também serrano, Licurgo Costa. Aprovada a obra pelo eminente mestre, foi, por este apresentada a seus pares do Instituto Histórico e Geográfico, do qual Enedino era membro efetivo, que, após análise por comissão competente recomendou sua publicação. Em decorrência, um livro de memórias foi publicado no ano de 1999, como um dos eventos comemorativos do seu centenário de nascimento.  Segundo o parecer do Instituto Histórico e Geográfico, esse é o primeiro livro de memórias escrito pelo próprio personagem, em Santa Catarina. Seu valor também é histórico, porque rememora fatos decisivos da vida política, social e econômica da Região Serrana, e não só desta, mas do resto do Estado, e mesmo do Brasil. Além disso, faz importante retrospecto da genealogia de muitas famílias serranas que nele encontrarão interessante subsídio sobre seus ancestrais. Destacam-se igualmente as informações sobre usos e costumes das grandes fazendas de criação de gado dessa região, na segunda metade do século XIX e na primeira do século XX. Chama-se o livro “Gavião-de-Penacho, Memórias de um Serrano”.
Todos esses aspectos o enaltecem; no entanto, o seu traço mais peculiar e permanente e, por isso mesmo, o mais cativante, foi o de genuíno pecuarista. Filho da região agreste do sul do município, fronteira com o Rio Grande do Sul, criado numa grande fazenda de gado, “São João de Pelotas”, ali forjou o caráter, forte, leal, corajoso e honesto. Pautou a existência por princípios, segundo os quais vivia e educava os filhos. Inteligente e curioso passou boa parte de sua vida a estudar. Seu interesse abraçava todos os ramos do conhecimento, da Música à Pintura, da História à Astronomia, da Biologia à Antropologia, etc.
Seu legado para a família, os conterrâneos e amigos foi o exemplo de sua vida, simples, mas plena de riquezas interiores, da altivez própria do homem telúrico, daquele que vive nos altiplanos.
Faleceu em Florianópolis no dia 10 de abril de 1989.

Estudo Histórico-Genealógico relacionado ao doador do imóvel INVERNADA DOS NEGROS

                                                                                                                Por Ismênia Ribeiro Schneider

Em 1877, o estancieiro Matheos José de Souza e Oliveira doou a libertos e escravos, através de testamento, a terça parte das terras de sua fazenda São João, perfazendo um total de cerca de 8 mil hectares, situada a 22 km do município de Campos Novos, imóvel que passou a ser chamado de Invernada dos Negros. 
O testamento, além de informar sobre o nome dos onze herdeiros, determinava a condição de inalienabilidade e indivisibilidade das terras herdadas. Com essa cláusula, o doador preocupava-se em garantir que as terras jamais pudessem ser comercializadas, mas somente transmitidas de geração em geração, permanecendo na posse dos herdeiros. Tal atitude, inédita na relação senhor/escravo, determinou uma nova forma de organização social para seus herdeiros, envolvendo o contexto quilombola[i].
No entanto, apesar da preocupação do testador, a cláusula restritiva não conseguiu impedir que a área sofresse inúmeras intervenções, com diversas tentativas de apropriação indébita por parte de advogados, empresas de papel e celulose, entre outros, interessados na riqueza das terras e matas doadas. O processo de titulação das terras da Invernada está neste momento (2009) em fase adiantada de processo jurídico, dizendo respeito ao direito à terra de seus legítimos proprietários[ii].
 Os aspectos antropológicos, sociológicos e jurídicos decorrentes dos problemas surgidos ao longo dos anos com a Invernada dos Negros, que intrigam até hoje os estudiosos, estão sendo tratados por especialistas e setores competentes, como a Universidade Federal de Santa Catarina, o Ministério Público, entre outros.
Como pesquisadora de famílias e fazendas da Região Serrana de Santa Catarina desde 1999, principalmente as que dizem respeito a meus antepassados – Souza, Ribeiro e Palma – oriundas todas da Comarca de Lages, e mais especificamente ainda da Costa da Serra (entorno dos atuais territórios de Bom Jardim, São Joaquim, Urubici, Painel, Urupema e Coxilha Rica/Lages), com pulverização de famílias descendentes em regiões vizinhas, como Curitibanos, Campos Novos e adjacências, sinto-me no compromisso histórico de contribuir com os dados genealógicos do Major Matheos José de Souza e Oliveira (1823/1878), filho de Joaquim Antunes de Oliveira e Maria Magdalena de Souza (e após a morte desta, com sua segunda esposa, Maria Rodrigues Borges), para situá-lo no contexto histórico e familiar em que viveu.
Em 2002 tive ocasião de estudar o inventário sem testamento de 1879[iii], no qual era inventariado o cidadão Joaquim Antunes de Oliveira, falecido em 08/04/1879 em sua Fazenda “Chapada Bonita”, localizada na região do Bom Sucesso, em São Joaquim da Costa da Serra. Possuía, porém, outra fazenda na região de Campos Novos, situada na confluência dos rios Inferno Grande e São João e denominada “São João”, na qual estabeleceu parte dos filhos do primeiro matrimônio.
Joaquim Antunes de Oliveira contraiu primeiras núpcias com Maria de Souza, em 29/04/1821[iv],  filha de  Matheos José de Souza (1737-1820), importante cidadão de Lages, cujo nome foi dado ao neto, o nosso biografado. O avô foi casado com Clara Maria de Athayde (1774-1810), casal que se tornou   tronco da Família Souza  em Santa Catarina, domiciliado na região do hoje município de Bom Jardim, onde era proprietário da Fazenda do Socorro.  Matheos/Clara Maria tiveram sete filhos, por sua vez ancestrais de importantes famílias serranas. Maria de Souza era a sexta filha, tendo passado para a crônica familiar com o nome de “Maria Magdalena de Souza” (dado colhido por Enedino Batista Ribeiro em inventário judicial[v]). No entanto, nos documentos manuscritos existentes sobre a Família Souza no Museu Thiago de Castro de Lages e no registro de batismo[vi] do seu filho Matheos  é referida como “Maria Josefa de Souza e Athayde”.
O inventário de Joaquim Antunes de Oliveira relaciona os seguintes filhos nesse primeiro casamento:
1 – Manoel Antunes de Oliveira,     casado com (c.c.) Maria Bernarda do Espírito Santo (falecida em 1882). Domiciliados no município de Lages.   09 filhos.
 2 – Joaquim Antunes de Souza.      Domiciliado no município de Lages.
 3 – João Antunes de Souza, c.c. Fermina Maria da Silva (falecida em 1868), já viúva de João Vicente dos Santos, pais de 01 filho. Do casamento com João houve 07 filhos. Domiciliados em Campos Novos, termo de Curitibanos.
 4 – Francisco Antunes de Souza. Domiciliado em Campos Novos, termo de Curitibanos.
 5 – José Antunes de Souza.  Domiciliado em Campos Novos, termo de Curitibanos .
            Da página 28  à  33 do inventário de Joaquim aparecem documentos que atestam que o casal  teve um sexto filho, Matheos José de Souza e Oliveira, falecido antes do pai e, por isso, não relacionado na lista de herdeiros. Nesses documentos constam, as seguintes informações, em grafia original:
“(...) Acontece que existe na freguesia de S. João dos Campos Novos, termo da villa de Curitibanos, três partes de campos e mathos, que o mesmo finado obteve por herança de seo filho ofinado Tenente Matheos Jose de Souza e Oliveira, cujas partes de campos e mathos em inventário procedido a um anno mais ou menos por morte deste finado, tiverão o valor de quinze contos como prova o documento junto, com cujo valor se conformam os suplicantes, evitando assim a expedição de uma precatoria, para aquelle juízo, e maiores dispendios com prejuízo dos interessados[vii]”.
Por esses dados, fica comprovado que o major Matheos José de Souza e Oliveira, casado com Pureza Emília da Silva, sem filhos, repartiu sua herança entre o pai, Joaquim Antunes de Oliveira, três partes, e uma parte deixada, ainda em vida, em testamento de 1877, a onze de seus libertos e escravos, imóvel que passou à história como INVERNADA DOS NEGROS, como vimos acima.
Não tivemos ainda acesso ao testamento, nem ao inventário do próprio Matheos José de Souza e Oliveira, para esclarecer por que não foi sua herdeira a sua mulher, Pureza Emília da Silva. Uma das possibilidades é que tenha falecido antes dele. Sabe-se pelo inventário do pai, Joaquim, que este foi o primeiro proprietário da Fazenda São João em Campo Novos, para onde enviara quatro dos seis filhos homens do primeiro casamento. Pelos documentos disponíveis, sabe-se também que Matheos tornou-se rico estancieiro na região. O que aconteceu com os outros três herdeiros? Matheos comprou dos irmãos a fazenda toda? Questões que só serão respondidas com o aprofundamento do estudo histórico-genealógico e com acesso aos documentos fundamentais.
Um outro elemento genealógico coloca sob o foco da historiografia serrana a família de Matheos José de Souza e Oliveira, que é o fato de ele ser primo-irmão da figura lendária de Ana de Jesus Ribeiro, conhecida como Anita Garibaldi. A mãe de Anita, Maria Antonia de Jesus, nascida em Laguna, era irmã de Joaquim Antunes de Oliveira, o pai de Matheos. Maria Antônia e Joaquim eram filhos de Salvador Antunes e de sua segunda mulher, Quitéria Maria de Souza[viii], estes portanto, avós tanto de Matheos quanto de Anita Garibaldi.
Salvador Antunes, que era paulista de nascimento, no início de sua vida em Santa Catarina foi capataz da Fazenda Tijucas, na Costa da Serra (Bom Jardim). Chamo  a atenção dos estudiosos de Anita para os seguintes fatos, que fazem parte da história oral das famílias Ribeiro e Souza e que pelos presentes estudos possuem fortes indícios de veracidade. Essas duas famílias também possuíam fazendas e moravam  nessa mesma região: próxima à Fazenda Tijucas, ficava  a Fazenda do Socorro, comprada em 1775 pelo patriarca da Família Souza, o avô materno de Matheos, já citado. Uma das filhas mais velhas do casal Matheos/Clara Maria, Maria Benta de Souza (1790-1857) ,  casou-se com João da Silva Ribeiro (1787-1868), ocasião em que recebeu como dote de casamento uma parte da Fazenda do Socorro, onde o casal estabeleceu domicílio. Com o tempo, João Ribeiro comprou mais terras no Socorro (fazenda original de cerca de 110 milhões m²), passando as famílias Souza e Ribeiro a conviver estreitamente e a aprofundar os laços de consanguinidade através do casamento de descendentes, e que iam  herdando terras nessa fazenda e em outras da vizinhança que lhes pertenciam (“Pelotas”, “Campo de Fora”, “Santa Bárbara”, “Três Barras”). Pois bem. Conta a crônica familiar que o pai de  Anita Garibaldi, Bento Ribeiro da Silva, no começo da vida de casado, foi, por sua vez,  capataz  de uma das fazendas citadas, todas na Costa da Serra e próximas umas das outras. Segundo essa história, “Aninha do Bentão” e seus irmãos brincavam com as crianças das outras fazendas. Quem a contava era Ezírio Bento Rodrigues Nunes (1822-1916), neto de Maria Benta/João Ribeiro, conforme relato familiar e dados de Licurgo Costa[ix]. Essa, porém, é apenas mais  uma das histórias que povoam o imaginário das famílias numerosas e unidas que viviam nas primitivas fazendas serranas. É difícil comprovar quais são verdadeiras.
Mas o que marcou a figura de Matheos José de Souza e Oliveira e que avulta e orgulha a crônica da Família Souza é, sem dúvida, o nobre e inusitado gesto de deixar a onze de seus escravos e descendentes vasta área de terras, que lhes garantiu, dessa forma, para sempre, não só a sobrevivência, mas principalmente a liberdade e a dignidade.



[i] - Informações obtidas em http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/12/435033.shtml. Acessado em 15 de janeiro de 2009.
[ii] - Ver diversos artigos publicados sobre o assunto, como os obtidos  nos seguintes endereços eletrônicos: http://www.nuer.ufsc.br/notíciasquilombos.invernada.html. Acessado em 15/01/2009
[iii] - Museu do Judiciário de SC, em Florianópolis, Inventário de Joaquim Antunes de Oliveira, de 1879. Processo nº338, Cx. 29.
[iv] - Paróquia de Lages; Certidão de casamento (L2, Fls 76v).
[v] - Juízo de Direito da Comarca de Lages. Inventário judicial julgado por sentença  de 1810, na certidão parcial que se vê a fls.506 dos Autos de Divisão da Fazenda do Socorro.
[vi] - Paróquia de Lages; Certidão de Batismo de 06/07/1823.
[vii] - Museu do Judiciário de SC, em Florianópolis, Inventário de Joaquim Antunes de Oliveira, de 1879. Processo nº338, Cx. 29, p. 28.
[viii] - Bogaciovas.  Revista ABRASP, n° 6, São Paulo, 1999, p. 61; Oliveira, Sebastião. Aurorescer das Sesmarias Serranas. Porto Alegre: Ed. Est, 1996; Costa, Licurgo. O Continente das Lagens. Vol 1. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982, p. 219.
[ix] - Costa, Licurgo. O Continente das Lagens. Vol 1. Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura, 1982, p. 245.

Discurso na Assembleia Legislativa sobre a vida política de Enedino Batista Ribeiro

Discurso proferido em outubro de 1999, por Ismênia Ribeiro Schneider.


Decorridos quarenta e oito anos, voltamos a esta Casa, todos os filhos de Enedino Batista Ribeiro, não mais para acompanhar nosso pai em sua posse como deputado, mas para participar desta Sessão Solene e agradecer as homenagens que lhe presta esta mesma augusta Assembléia, já agora para comemorar o centenário de seu nascimento.
Na 22ª Sessão Ordinária desta Câmara, no dia 02 de maio de 1951, sob a presidência de Volney Colaço de Oliveira, aos 51 anos de idade, apresentou-se Enedino a seus pares em discurso de improviso, transcrito nos anais da casa, em que afirmava: “quero falar do coração do povo de São Joaquim para o coração dos outros catarinenses aqui tão bem representados por seus 38 deputados”.
É o que faço também neste momento, Senhor Presidente, porque falar em Enedino Batista Ribeiro é falar em São Joaquim, tal era a sua ligação com a terra natal. Prestar-lhe homenagem é entoar loas àquela bela região.
Sentimo-nos, os familiares, emocionados, ao constatar que sua lembrança conseguiu reunir nesta solenidade pessoas de três diferentes gerações: contemporâneos seus, amigos de juventude, hoje colunas-mestras de nossa comunidade, como o Embaixador Licurgo Costa; cidadãos que, à época que estamos recordando, eram adolescentes ou jovens profissionais, como o Dr. Glauco Olinguer que na Secretaria da Agricultura encaminhava os projetos sobre pomicultura do deputado serrano; e a nova geração, aqui representada por seus descendentes e co-estaduanos mais moços, como alguns dos deputados da presente legislatura, Sandro Tarzan, por exemplo, nosso conterrâneo, que propôs à Casa esta homenagem, o que muito agradecemos.
Para informação dos mais jovens aqui presentes, Senhor Presidente, que não viveram nenhum dos acontecimentos relembrados neste momento, gostaria de recordar, brevemente, o contexto histórico em que aconteceu a vida pública do nosso homenageado:
- Terminadas a 2ª Guerra Mundial e a Ditadura Vargas, em 1945, teve início uma nova fase na vida pública, que propunha a redemocratização do país. Surgem novos partidos políticos, como a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido de Representação Popular (PRP), o Partido Social Progressista (PSP), entre outros.
- Nas primeiras eleições que se seguiram, em dezembro de 1945, foi eleito Presidente da República o Marechal Eurico Gaspar Dutra. Em Santa Catarina, em janeiro de 1947, Aderbal Ramos da Silva, do PSD, elegeu-se Governador do Estado.
As eleições seguintes, de 1950, reconduziram Getúlio Vargas ao poder pelo PTB, apoiado, por acordo não oficial, pelo PSD, que tinha candidato próprio, Cristiano Machado. Em Santa Catarina vencia a coligação UDN – PTB – PSP – PRP – PL (Partido Libertador) – PDC (Partido Democrata Cristão), que elegeu governador do Estado o empresário itajaiense, Irineu Bornhausen.
- Com o governado federal, conseguiu o novo governador estabelecer um bom diálogo, com excelentes conquistas para Santa Catarina, principalmente através do Ministro da Agricultura, João Cleofas que, em 1952, ao convidar para seu chefe de gabinete o jovem deputado estadual udenista, Antônio Carlos Konder Reis, abriu para nosso Estado um importante canal de comunicação.
- Em nível estadual, porém, as dificuldades políticas foram grandes. O Executivo, em seus pleitos à Assembléia Legislativa conseguia, no máximo, a metade menos um dos votos dos deputados, isso porque o PSD conservou a maioria nesta Câmara. As disputas tornaram-se acirradas e sistemáticas, dificultando a aprovação de projetos essenciais ao desenvolvimento do Estado.
Irineu Bornhausen apresenta ao Legislativo, em sua mensagem de início de governo, as linhas mestras de um plano plurianual de investimento, que irá implementando à revelia da Oposição, que só foi aprová-lo em 1954, já no apagar das luzes dessa gestão. Concebido para ser executado em dez anos, terá efetivamente continuidade no governo seguinte, de Jorge Lacerda. O Plano, denominado Plano de Obras e Equipamentos – POE, trata das grandes tarefas estratégicas para atender às necessidades reconhecidas por todos: Estradas, Energia Elétrica, Agricultura, Educação e Saúde.
Alguns dos deputados daquela legislatura foram: Volnei Colaço de Oliveira, Ylmar Corrêa, Ivo Silveira, Fernando Osvaldo Oliveira, Elpídio Barbosa, Paulo Konder Bornhausen (filho de Irineu), Paulo Fontes, João Colin, João José de Souza Cabral, Osvaldo Bulcão Viana, Osvaldo Rodrigues, Konder Reis, e muitos mais.
A juventude catarinense, durante tantos anos cerceada em sua liberdade de expressão, viu-se tomada de entusiasmo pela coisa pública, envolvendo-se nas questões políticas, das quais passou a participar ouvindo rádio (pois não havia ainda televisão), lendo os principais jornais, “O Estado”, “A Gazeta”, “A República”, “O Diário da Manhã”. Participava também das alas jovens dos diversos partidos, de “grêmios estudantis”, etc. Tornou-se comum, por exemplo, os estudantes da capital trocarem a sessão da tarde do “Cine Ritz”, principal cinema da cidade, pelas sessões da Câmara dos Deputados, que ocorriam na quadra seguinte à daquele cinema, na Praça Pereira e Oliveira, onde ficava o belo palácio neoclássico do Legislativo Catarinense, totalmente destruído, com seu riquíssimo acervo, por um incêndio, em junho de 1956 e onde, hoje, funciona a TELESC. Do alto das galerias, passaram os jovens a “torcer” por seus deputados preferidos.
Esse, pois, o contexto!
Eis o homem!
Enedino Batista Ribeiro criou-se até os quatorze anos, numa grande fazenda de criação de gado, na divisa com o Rio Grande do Sul. Como no dizer do poeta, “livre filho das montanhas, pés descalços, peito nu”, galopava o menino pelas canhadas íngremes de campos verdejantes, extensos bosques de pinheiro e matas nativas, forjando o caráter, indômito e altivo, ao mesmo tempo simples e sem jaça, próprio dos altiplanos, até hoje característico do habitante daquelas paragens.
Apesar do isolamento próprio de uma fazenda, a movimentação era intensa, não só entre os seus inúmeros moradores, mas de viajantes em trânsito do Rio Grande do Sul para o município, ou em direção ao litoral sul do Estado, em busca do caminho mais curto entre as duas regiões, que era a estrada de tropeiros da Serra do Rio do Rastro. Com o mesmo destino, passavam pela fazenda as tropas que seriam vendidas naquele litoral.
Acostumou-se, pois, o menino, a participar das animadas conversas que aconteciam, tanto na sala de visitas, durante o dia, quanto ao pé do fogo de chão, nas “prosas” noturnas. O principal assunto dessas conversas eram as novidades políticas trazidas pelos viajantes ao Coronel João Batista Ribeiro de Souza, pai de Enedino que, assim, se inteirava da situação do país. Era o coronel um dos mais prestigiados chefes políticos do Partido Republicano no município, seguindo uma velha tradição de sua família, da qual saíram alguns dos mais importantes líderes da Região Serrana, como João da Silva Ribeiro, cujo nome, até hoje, denomina as praças centrais, tanto de Lages, como de São Joaquim.
Foi depois de viver nas duas maiores metrópoles do país, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se formou em Farmácia, que mais agudamente se conscientizou do atraso em que se encontrava Santa Catarina, mas principalmente seu município, isolado entre montanhas.
De volta a São Joaquim, em 1924, inscreveu-se no Partido Republicano, passando a atuar na vida política de sua cidade.
Em 1944, casado e pai de nove filhos, resolve, com a esposa, mudar-se para a capital, a fim de proporcionar estudos universitários a todos os filhos.
Em 1950 é eleito deputado suplente pela União Democrática Nacional (UDN).
Exerceu o mandato por nove vezes, entre 1951 e 1954, perfazendo um período de dois anos e vinte e três dias, cada período, porém, não superior, em tempo contínuo, a alguns meses, o que muito prejudicou a consistência do seu trabalho e a aprovação de alguns de seus projetos. Quando assumia, porém, sua atuação era destacada, porque, por ser um brilhante orador, um trabalhador pertinaz, se fazia ouvir, e convencia seus pares da importância de seus pleitos.
Conseguiu aprovar vários projetos nos setores da saúde e da educação, mas seus esforços concentraram-se em duas áreas que considerava prioritárias para alavancar a saída imediata da Região Serrana, e principalmente, do seu município da sua condição periférica no contexto econômico do Estado, sem infraestrutura apropriada nem ao menos às atividades específicas de sua vocação natural agropastoril. Tornava-se urgente desencadear uma ação política que permitisse inserir as prioridades do município nas grandes metas em execução no Estado, através do Plano de Obras e Equipamentos. Essas duas áreas eram a Agricultura e os Transportes, a segunda suporte da primeira. O Executivo já havia reconhecido a necessidade de incentivar na Região Serrana a fruticultura de clima temperado e o cultivo do trigo, ao mesmo tempo, porém, constatando a impossibilidade de comercializar qualquer produção serrana, pela absoluta falta de estradas que ligassem o Planalto com o Litoral Sul, canal natural de escoamento dessa produção. O desenvolvimento dessas duas culturas eram também importantes em função de um objetivo maior do Estado que era torná-lo auto-suficiente no setor de alimentos e, ainda mais, otimizá-lo a ponto de competir com os demais mercados abastecedores do país.
Nessas condições, a solução para o problema da falta de estradas tornou-se tão, ou mais premente que o anterior. Estado praticamente cortado no sentido norte-sul pelas altas e rochosas escarpas da Serra Geral, tinha a maior parte de seu território isolado dos portos do litoral. Cumpre lembrar que nessa época, quando ainda não havia sido incrementada a indústria automobilística, o meio de transporte mais utilizado na direção dos grandes centros consumidores, Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente, era o marítimo. Por isso, a urgência em ligar o interior, por estradas macadamizadas, com nossos principais portos: Porto União com São Francisco, Curitibanos com Itajaí e São Joaquim com Laguna.
Outro fator, na Região Serrana, estava a exigir a ligação com o litoral: era a incipiente, mas fortíssima indústria madeireira, que rapidamente estava se tornando o principal índice das exportações catarinenses.
Os Aparatos da Serra, localizados justamente no trajeto São Joaquim – Bom Jardim – Laguna, o mais curto caminho entre as regiões, eram ponto inexpugnável, um desafio à engenharia rodoviária.
Pois bem!
Aproveitando o momento propício, imediatamente o deputado serrano desencadeou as ações necessárias à concretização de seus objetivos. Já em maio, apresentou uma indicação à Assembléia Legislativa, em conseqüência da qual foi celebrado no Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1951, um acordo entre o Governo da União e a Prefeitura, para a instalação, em São Joaquim, de um Posto de Fruticultura, que teve como primeiro diretor o engenheiro-agrônomo João Palma Moreira. Esse Posto foi o embrião para posteriores conquistas no setor, como o Projeto de Fruticultura de Clima temperado de 1968 que, em 1975, acabou por gerar uma Estação Experimental. Outrossim, em 1991, foi criada a EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A.), responsável pelo setor em nível estadual e, portanto, o órgão que continuou a desenvolver os serviços de pesquisa e extensão agropastoris em São Joaquim. No ano em curso, a Estação Experimental completa 30 anos, com “Santa Catarina na situação de maior produtor de maçãs do Brasil, com 54% da produção nacional, que na safra de 1999 chegou a 660 mil toneladas”.
Logo após a instalação do Posto de Fruticultura, os técnicos sentiram necessidade de um posto de meteorologia na cidade, já que os dados climáticos que subsidiavam seu trabalho vinham dos Aparatos da Serra, no Rio Grande do Sul, a mais de 60 Km, e em um local com altitude de cerca de 600 m, bastante inferior aos 1415 m do posto joaquinense. Através de uma indicação ao Governo do Estado e de uma exposição de motivos ao Ministro da Agricultura, o deputado joaquinense conseguiu, em 1952, a instalação, naquela cidade, de um Posto de Meteorologia.
Concomitantemente, agindo como porta-voz do Governo Irineu Bornhausen, no dia 17 de maio de 1951, Enedino Batista Ribeiro apresenta uma indicação, com longa exposição de motivos, encarecendo a urgência da abertura da Serra do Rio do Rastro, estrada que viabilizaria o escoamento de toda produção do Planalto Serrano.
Em julho do mesmo ano, ao discursar em Laguna, Irineu Bornhausen anuncia a ligação direta das duas regiões através dessa rodovia. Mas, mesmo assim, o deputado joaquinense, incansavelmente, volta à tribuna, reivindicando o imediato início das obras, o que efetivamente acabou por acontecer ainda em 1951. O fato veio concretizar um velho sonho dos joaquinenses. Já em 1929, por exemplo, quando da inauguração rodoviária entre Lages e São Joaquim, falando em nome da Prefeitura, Enedino Batista Ribeiro afirmava que a “abertura dessa estrada seria o marco da independização da Região Serrana”.
Essa primeira etapa da Serra do Rio do Rastro (como passou a ser designada a partir de 1955), foi concretizada pela 5ª Residência de Estradas e Rodagens de Tubarão, porque a 11ª Residência, criada com vistas à execução dos vários projetos rodoviários de São Joaquim, Bom Jardim, Urubici e Bom Retiro, só foi instalada, sob a direção do engenheiro Lourenço Faoro, na primeira dessas cidades, em 1953.
O traçado atual da serra foi calcado na estrada para cargueiros que ligava Bom Jardim da Serra à localidade de Novo Horizonte no município de Lauro Müller, numa distância de 14 Km. O traçado completo da obra abrangeu, porém, cerca de 40 Km de estrada de difícil execução, trecho compreendido entre Lauro Müller e o topo da serra, sendo também construído ou melhorado o restante do percurso até a cidade de Bom Jardim. Ao final de sua gestão, Irineu Bornhausen subiu a serra em automóvel. A decisão e o grande empenho na construção dessa rodovia, considerada a mais bela do Brasil, orgulho da engenharia rodoviária catarinense, vincularam a obra, merecidamente, àquele governo, tanto assim que a estrada passou a ser chamada, oficialmente, “Rodovia Irineu Bornhausen” – a SC 438. A estrada continuou a receber melhoramentos ao longo das gestões seguintes, sendo que, finalmente, após 48 anos de beneficiamentos, como esperamos todos, sua implementação estará consolidada – com a instalação de sua iluminação – obra prometida, não mais só aos serranos, mas a todos os catarinenses, já que essa rodovia se tornou um cartão postal de nosso Estado.
Várias outras obras, nos mais diversos setores, foram realizadas com o concurso de Enedino Batista Ribeiro, mas, me parece, que só as aqui descritas já bastariam para inscrever seu nome no rol dos joaquinenses que muito contribuíram para o desenvolvimento de sua terra e de Santa Catarina.
No entanto, o que mais o enobreceu, foi, sem dúvida, o seu exemplo de vida, inteiramente dedicada à família e à causa pública, em São Joaquim, mas também em Florianópolis, onde exerceu suas funções com honestidade e empenho, quer como funcionário público, que como professor universitário, quer como deputado.
Por isso, ocorre-me, Senhor Presidente, Srs. Deputados, Prezados Amigos, como o maior elogio que posso fazer a Enedino Batista Ribeiro, é encerrar o agradecimento que sua família faz a esta Casa, afirmando que ele, nascido nos confins de uma fazenda, destinado a simplesmente continuar a trajetória de seus antepassados, soube transpor inumeráveis obstáculos, o maior dos quais era o atraso educacional na sua região, e se tornar um dos joaquinenses mais esclarecidos e cultos de seu tempo, confirmando a lapidar afirmativa “de que na vida não há caminhos; o caminho se faz ao caminhar!

Os Pinheiros da foto

Os pinheiros da foto encontram-se na Fazenda Rancho Alegre, de propriedade de Hamilton José Palma Vieira e Virginia Vieira, localizada no sul de São Joaquim, no Distrito de São João de Pelotas, local da primitiva fazenda doa ancestrais da família Ribeiro, originalmente pertencente à João Baptista de Souza - Inholo (1800-1850).