sábado, 25 de setembro de 2010

Discurso na Assembleia Legislativa sobre a vida política de Enedino Batista Ribeiro

Discurso proferido em outubro de 1999, por Ismênia Ribeiro Schneider.


Decorridos quarenta e oito anos, voltamos a esta Casa, todos os filhos de Enedino Batista Ribeiro, não mais para acompanhar nosso pai em sua posse como deputado, mas para participar desta Sessão Solene e agradecer as homenagens que lhe presta esta mesma augusta Assembléia, já agora para comemorar o centenário de seu nascimento.
Na 22ª Sessão Ordinária desta Câmara, no dia 02 de maio de 1951, sob a presidência de Volney Colaço de Oliveira, aos 51 anos de idade, apresentou-se Enedino a seus pares em discurso de improviso, transcrito nos anais da casa, em que afirmava: “quero falar do coração do povo de São Joaquim para o coração dos outros catarinenses aqui tão bem representados por seus 38 deputados”.
É o que faço também neste momento, Senhor Presidente, porque falar em Enedino Batista Ribeiro é falar em São Joaquim, tal era a sua ligação com a terra natal. Prestar-lhe homenagem é entoar loas àquela bela região.
Sentimo-nos, os familiares, emocionados, ao constatar que sua lembrança conseguiu reunir nesta solenidade pessoas de três diferentes gerações: contemporâneos seus, amigos de juventude, hoje colunas-mestras de nossa comunidade, como o Embaixador Licurgo Costa; cidadãos que, à época que estamos recordando, eram adolescentes ou jovens profissionais, como o Dr. Glauco Olinguer que na Secretaria da Agricultura encaminhava os projetos sobre pomicultura do deputado serrano; e a nova geração, aqui representada por seus descendentes e co-estaduanos mais moços, como alguns dos deputados da presente legislatura, Sandro Tarzan, por exemplo, nosso conterrâneo, que propôs à Casa esta homenagem, o que muito agradecemos.
Para informação dos mais jovens aqui presentes, Senhor Presidente, que não viveram nenhum dos acontecimentos relembrados neste momento, gostaria de recordar, brevemente, o contexto histórico em que aconteceu a vida pública do nosso homenageado:
- Terminadas a 2ª Guerra Mundial e a Ditadura Vargas, em 1945, teve início uma nova fase na vida pública, que propunha a redemocratização do país. Surgem novos partidos políticos, como a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Partido de Representação Popular (PRP), o Partido Social Progressista (PSP), entre outros.
- Nas primeiras eleições que se seguiram, em dezembro de 1945, foi eleito Presidente da República o Marechal Eurico Gaspar Dutra. Em Santa Catarina, em janeiro de 1947, Aderbal Ramos da Silva, do PSD, elegeu-se Governador do Estado.
As eleições seguintes, de 1950, reconduziram Getúlio Vargas ao poder pelo PTB, apoiado, por acordo não oficial, pelo PSD, que tinha candidato próprio, Cristiano Machado. Em Santa Catarina vencia a coligação UDN – PTB – PSP – PRP – PL (Partido Libertador) – PDC (Partido Democrata Cristão), que elegeu governador do Estado o empresário itajaiense, Irineu Bornhausen.
- Com o governado federal, conseguiu o novo governador estabelecer um bom diálogo, com excelentes conquistas para Santa Catarina, principalmente através do Ministro da Agricultura, João Cleofas que, em 1952, ao convidar para seu chefe de gabinete o jovem deputado estadual udenista, Antônio Carlos Konder Reis, abriu para nosso Estado um importante canal de comunicação.
- Em nível estadual, porém, as dificuldades políticas foram grandes. O Executivo, em seus pleitos à Assembléia Legislativa conseguia, no máximo, a metade menos um dos votos dos deputados, isso porque o PSD conservou a maioria nesta Câmara. As disputas tornaram-se acirradas e sistemáticas, dificultando a aprovação de projetos essenciais ao desenvolvimento do Estado.
Irineu Bornhausen apresenta ao Legislativo, em sua mensagem de início de governo, as linhas mestras de um plano plurianual de investimento, que irá implementando à revelia da Oposição, que só foi aprová-lo em 1954, já no apagar das luzes dessa gestão. Concebido para ser executado em dez anos, terá efetivamente continuidade no governo seguinte, de Jorge Lacerda. O Plano, denominado Plano de Obras e Equipamentos – POE, trata das grandes tarefas estratégicas para atender às necessidades reconhecidas por todos: Estradas, Energia Elétrica, Agricultura, Educação e Saúde.
Alguns dos deputados daquela legislatura foram: Volnei Colaço de Oliveira, Ylmar Corrêa, Ivo Silveira, Fernando Osvaldo Oliveira, Elpídio Barbosa, Paulo Konder Bornhausen (filho de Irineu), Paulo Fontes, João Colin, João José de Souza Cabral, Osvaldo Bulcão Viana, Osvaldo Rodrigues, Konder Reis, e muitos mais.
A juventude catarinense, durante tantos anos cerceada em sua liberdade de expressão, viu-se tomada de entusiasmo pela coisa pública, envolvendo-se nas questões políticas, das quais passou a participar ouvindo rádio (pois não havia ainda televisão), lendo os principais jornais, “O Estado”, “A Gazeta”, “A República”, “O Diário da Manhã”. Participava também das alas jovens dos diversos partidos, de “grêmios estudantis”, etc. Tornou-se comum, por exemplo, os estudantes da capital trocarem a sessão da tarde do “Cine Ritz”, principal cinema da cidade, pelas sessões da Câmara dos Deputados, que ocorriam na quadra seguinte à daquele cinema, na Praça Pereira e Oliveira, onde ficava o belo palácio neoclássico do Legislativo Catarinense, totalmente destruído, com seu riquíssimo acervo, por um incêndio, em junho de 1956 e onde, hoje, funciona a TELESC. Do alto das galerias, passaram os jovens a “torcer” por seus deputados preferidos.
Esse, pois, o contexto!
Eis o homem!
Enedino Batista Ribeiro criou-se até os quatorze anos, numa grande fazenda de criação de gado, na divisa com o Rio Grande do Sul. Como no dizer do poeta, “livre filho das montanhas, pés descalços, peito nu”, galopava o menino pelas canhadas íngremes de campos verdejantes, extensos bosques de pinheiro e matas nativas, forjando o caráter, indômito e altivo, ao mesmo tempo simples e sem jaça, próprio dos altiplanos, até hoje característico do habitante daquelas paragens.
Apesar do isolamento próprio de uma fazenda, a movimentação era intensa, não só entre os seus inúmeros moradores, mas de viajantes em trânsito do Rio Grande do Sul para o município, ou em direção ao litoral sul do Estado, em busca do caminho mais curto entre as duas regiões, que era a estrada de tropeiros da Serra do Rio do Rastro. Com o mesmo destino, passavam pela fazenda as tropas que seriam vendidas naquele litoral.
Acostumou-se, pois, o menino, a participar das animadas conversas que aconteciam, tanto na sala de visitas, durante o dia, quanto ao pé do fogo de chão, nas “prosas” noturnas. O principal assunto dessas conversas eram as novidades políticas trazidas pelos viajantes ao Coronel João Batista Ribeiro de Souza, pai de Enedino que, assim, se inteirava da situação do país. Era o coronel um dos mais prestigiados chefes políticos do Partido Republicano no município, seguindo uma velha tradição de sua família, da qual saíram alguns dos mais importantes líderes da Região Serrana, como João da Silva Ribeiro, cujo nome, até hoje, denomina as praças centrais, tanto de Lages, como de São Joaquim.
Foi depois de viver nas duas maiores metrópoles do país, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se formou em Farmácia, que mais agudamente se conscientizou do atraso em que se encontrava Santa Catarina, mas principalmente seu município, isolado entre montanhas.
De volta a São Joaquim, em 1924, inscreveu-se no Partido Republicano, passando a atuar na vida política de sua cidade.
Em 1944, casado e pai de nove filhos, resolve, com a esposa, mudar-se para a capital, a fim de proporcionar estudos universitários a todos os filhos.
Em 1950 é eleito deputado suplente pela União Democrática Nacional (UDN).
Exerceu o mandato por nove vezes, entre 1951 e 1954, perfazendo um período de dois anos e vinte e três dias, cada período, porém, não superior, em tempo contínuo, a alguns meses, o que muito prejudicou a consistência do seu trabalho e a aprovação de alguns de seus projetos. Quando assumia, porém, sua atuação era destacada, porque, por ser um brilhante orador, um trabalhador pertinaz, se fazia ouvir, e convencia seus pares da importância de seus pleitos.
Conseguiu aprovar vários projetos nos setores da saúde e da educação, mas seus esforços concentraram-se em duas áreas que considerava prioritárias para alavancar a saída imediata da Região Serrana, e principalmente, do seu município da sua condição periférica no contexto econômico do Estado, sem infraestrutura apropriada nem ao menos às atividades específicas de sua vocação natural agropastoril. Tornava-se urgente desencadear uma ação política que permitisse inserir as prioridades do município nas grandes metas em execução no Estado, através do Plano de Obras e Equipamentos. Essas duas áreas eram a Agricultura e os Transportes, a segunda suporte da primeira. O Executivo já havia reconhecido a necessidade de incentivar na Região Serrana a fruticultura de clima temperado e o cultivo do trigo, ao mesmo tempo, porém, constatando a impossibilidade de comercializar qualquer produção serrana, pela absoluta falta de estradas que ligassem o Planalto com o Litoral Sul, canal natural de escoamento dessa produção. O desenvolvimento dessas duas culturas eram também importantes em função de um objetivo maior do Estado que era torná-lo auto-suficiente no setor de alimentos e, ainda mais, otimizá-lo a ponto de competir com os demais mercados abastecedores do país.
Nessas condições, a solução para o problema da falta de estradas tornou-se tão, ou mais premente que o anterior. Estado praticamente cortado no sentido norte-sul pelas altas e rochosas escarpas da Serra Geral, tinha a maior parte de seu território isolado dos portos do litoral. Cumpre lembrar que nessa época, quando ainda não havia sido incrementada a indústria automobilística, o meio de transporte mais utilizado na direção dos grandes centros consumidores, Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente, era o marítimo. Por isso, a urgência em ligar o interior, por estradas macadamizadas, com nossos principais portos: Porto União com São Francisco, Curitibanos com Itajaí e São Joaquim com Laguna.
Outro fator, na Região Serrana, estava a exigir a ligação com o litoral: era a incipiente, mas fortíssima indústria madeireira, que rapidamente estava se tornando o principal índice das exportações catarinenses.
Os Aparatos da Serra, localizados justamente no trajeto São Joaquim – Bom Jardim – Laguna, o mais curto caminho entre as regiões, eram ponto inexpugnável, um desafio à engenharia rodoviária.
Pois bem!
Aproveitando o momento propício, imediatamente o deputado serrano desencadeou as ações necessárias à concretização de seus objetivos. Já em maio, apresentou uma indicação à Assembléia Legislativa, em conseqüência da qual foi celebrado no Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1951, um acordo entre o Governo da União e a Prefeitura, para a instalação, em São Joaquim, de um Posto de Fruticultura, que teve como primeiro diretor o engenheiro-agrônomo João Palma Moreira. Esse Posto foi o embrião para posteriores conquistas no setor, como o Projeto de Fruticultura de Clima temperado de 1968 que, em 1975, acabou por gerar uma Estação Experimental. Outrossim, em 1991, foi criada a EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S.A.), responsável pelo setor em nível estadual e, portanto, o órgão que continuou a desenvolver os serviços de pesquisa e extensão agropastoris em São Joaquim. No ano em curso, a Estação Experimental completa 30 anos, com “Santa Catarina na situação de maior produtor de maçãs do Brasil, com 54% da produção nacional, que na safra de 1999 chegou a 660 mil toneladas”.
Logo após a instalação do Posto de Fruticultura, os técnicos sentiram necessidade de um posto de meteorologia na cidade, já que os dados climáticos que subsidiavam seu trabalho vinham dos Aparatos da Serra, no Rio Grande do Sul, a mais de 60 Km, e em um local com altitude de cerca de 600 m, bastante inferior aos 1415 m do posto joaquinense. Através de uma indicação ao Governo do Estado e de uma exposição de motivos ao Ministro da Agricultura, o deputado joaquinense conseguiu, em 1952, a instalação, naquela cidade, de um Posto de Meteorologia.
Concomitantemente, agindo como porta-voz do Governo Irineu Bornhausen, no dia 17 de maio de 1951, Enedino Batista Ribeiro apresenta uma indicação, com longa exposição de motivos, encarecendo a urgência da abertura da Serra do Rio do Rastro, estrada que viabilizaria o escoamento de toda produção do Planalto Serrano.
Em julho do mesmo ano, ao discursar em Laguna, Irineu Bornhausen anuncia a ligação direta das duas regiões através dessa rodovia. Mas, mesmo assim, o deputado joaquinense, incansavelmente, volta à tribuna, reivindicando o imediato início das obras, o que efetivamente acabou por acontecer ainda em 1951. O fato veio concretizar um velho sonho dos joaquinenses. Já em 1929, por exemplo, quando da inauguração rodoviária entre Lages e São Joaquim, falando em nome da Prefeitura, Enedino Batista Ribeiro afirmava que a “abertura dessa estrada seria o marco da independização da Região Serrana”.
Essa primeira etapa da Serra do Rio do Rastro (como passou a ser designada a partir de 1955), foi concretizada pela 5ª Residência de Estradas e Rodagens de Tubarão, porque a 11ª Residência, criada com vistas à execução dos vários projetos rodoviários de São Joaquim, Bom Jardim, Urubici e Bom Retiro, só foi instalada, sob a direção do engenheiro Lourenço Faoro, na primeira dessas cidades, em 1953.
O traçado atual da serra foi calcado na estrada para cargueiros que ligava Bom Jardim da Serra à localidade de Novo Horizonte no município de Lauro Müller, numa distância de 14 Km. O traçado completo da obra abrangeu, porém, cerca de 40 Km de estrada de difícil execução, trecho compreendido entre Lauro Müller e o topo da serra, sendo também construído ou melhorado o restante do percurso até a cidade de Bom Jardim. Ao final de sua gestão, Irineu Bornhausen subiu a serra em automóvel. A decisão e o grande empenho na construção dessa rodovia, considerada a mais bela do Brasil, orgulho da engenharia rodoviária catarinense, vincularam a obra, merecidamente, àquele governo, tanto assim que a estrada passou a ser chamada, oficialmente, “Rodovia Irineu Bornhausen” – a SC 438. A estrada continuou a receber melhoramentos ao longo das gestões seguintes, sendo que, finalmente, após 48 anos de beneficiamentos, como esperamos todos, sua implementação estará consolidada – com a instalação de sua iluminação – obra prometida, não mais só aos serranos, mas a todos os catarinenses, já que essa rodovia se tornou um cartão postal de nosso Estado.
Várias outras obras, nos mais diversos setores, foram realizadas com o concurso de Enedino Batista Ribeiro, mas, me parece, que só as aqui descritas já bastariam para inscrever seu nome no rol dos joaquinenses que muito contribuíram para o desenvolvimento de sua terra e de Santa Catarina.
No entanto, o que mais o enobreceu, foi, sem dúvida, o seu exemplo de vida, inteiramente dedicada à família e à causa pública, em São Joaquim, mas também em Florianópolis, onde exerceu suas funções com honestidade e empenho, quer como funcionário público, que como professor universitário, quer como deputado.
Por isso, ocorre-me, Senhor Presidente, Srs. Deputados, Prezados Amigos, como o maior elogio que posso fazer a Enedino Batista Ribeiro, é encerrar o agradecimento que sua família faz a esta Casa, afirmando que ele, nascido nos confins de uma fazenda, destinado a simplesmente continuar a trajetória de seus antepassados, soube transpor inumeráveis obstáculos, o maior dos quais era o atraso educacional na sua região, e se tornar um dos joaquinenses mais esclarecidos e cultos de seu tempo, confirmando a lapidar afirmativa “de que na vida não há caminhos; o caminho se faz ao caminhar!

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