terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Escravos nas famílias ancestrais


Ismênia Ribeiro Schneider[1]
Daniela Schneider
Cristiane Budde


Iniciamos as publicações deste ano com uma matéria sobre alguns dos escravos que residiram na Serra Catarinense e se relacionam com as famílias que estudamos neste Blog. Na postagem anterior, descrevemos um pouco da história da Invernada dos Negros, território concedido a escravos e libertos por Matheus José de Souza e Oliveira e sua esposa Pureza Emília da Silva.
Nesta matéria, apresentaremos alguns dos escravos que pertenceram a famílias ancestrais serranas. Retomamos, portanto, a história de João Baptista de Souza, mais conhecido como Inholo, proprietário da Fazenda “São João”, que foi brutalmente assassinado, no dia 13 de agosto de 1850, por dois de seus escravos, Ricardo e Alexandre.

Nota: Para saber mais sobre a história do assassinato de Inholo, acesse: http://genealogiaserranasc.blogspot.com/2019/10/o-assassinato-de-joao-batista-de-souza.html

Inholo era rico estancieiro, dono de muitas terras e bens, dentre os quais sobressaíam os “semoventes”, isto é, escravos e gados de todas as espécies. Inholo deixou quatro filhos naturais, reconhecidos oficialmente, e mais uma filha legítima.
Por ocasião de seu inventário, ainda em 1850, houve a partilha dos bens entre os cinco filhos, pois sua esposa, que seria herdeira da metade de seus bens, já havia falecido em 1845. Partilharam-se também seus 22 escravos. Dentre os herdeiros, uma das filhas, ISMENIA BAPTISTA DE SOUZA, de quem esta pesquisadora é descendente direta por linha masculina e feminina, recebeu em sua legítima, a posse dos seguintes escravos de Inholo:
- LUIS, crioulo, 30 anos                    Valor:450$ 000 (quatrocentos e cinqüenta milréis);
- FLORENCIO, mulato, 11 anos      Valor: 450$000( quatrocentos e cinquenta milréis);
- GRACIANA, crioula, 5 anos          Valor: 250$000 (duzentos e cinquenta milréis).

Ismênia e seu marido, JOÃO DA SILVA RIBEIRO JÚNIOR, chamado Cel. JOÃO RIBEIRO, compraram e/ou permutaram com os demais herdeiros toda a fazenda, mais uma gleba grande de terras chamada “Invernada do Pelotas” que também fazia parte do espólio de Inholo, tendo o casal herdeiro renomeado toda propriedade como Fazenda SÃO JOÃO DE PELOTAS. Totalmente reconstruída, com todos os fechos em taipas, de forma que ao ficar pronta, em 1858, tornou-se a maior sede de fazenda da região. Quando, em cerca de 1915, a sua divisão entre os herdeiros começou, bem como a venda das terras a estranhos, o apogeu do latifúndio declinou. Mas, até hoje, toda a área da primitiva fazenda, de 120 milhões de metros quadrados, permanece o Distrito São João de Pelotas, do Município de São Joaquim, às margens do rio Pelotas, já na divisa com o Rio Grande do Sul, no município de Bom Jesus.
Retomando a história dos escravos de Inholo, destaca-se a de Graciana Garcia, que foi a escrava mais nova herdada por Ismênia Baptista de Souza e pelo Cel. João Ribeiro. Graciana nasceu em junho de 1847 e foi batizada em 18 de setembro de 1847, em Lages.


Batismo de Graciana.

Graciana era filha legítima de Manoel e de Jozefa, escravos de João Baptista de Souza[2]. Sabe-se também que Graciana tinha um irmão chamado Benedicto, dois anos mais velho que ela, que foi batizado no mesmo dia, 18 de setembro de 18472. Os padrinhos de batismo dos dois irmãos foram Manoel Bernardes de Souza e Maria Gonçalves do Espírito Santo.

 
Batismo de Benedicto, irmão de Graciana.


 Graciana teve nove filhos, embora nunca tenha se casado oficialmente. Ela viveu primeiramente, de maneira marital, com José Velho, com quem teve os seguintes filhos[3]:
F 1 – EUFRÁSIO, c.c.
    1ª esposa: CLAUDIANA MARIA DE JESUS, filha de João Pedro Lucrécio e D. Antonia Maria de Jesus. João Pedro Lucrécio foi o pedreiro que contribuiu com a construção da Igreja Matriz de São Joaquim. Residia na região da Brusca, no Quarteirão de São Mateus, na Fazenda São João de Pelotas. Filhos: João Maria e Laurindo.
    2ª esposa: JOAQUINA.

F 2 – LOURENÇO;

F 3 – JOSEFA JOSÉ GARCIA.

Algum tempo depois Graciana passou a viver em companhia de Vidal Pereira, sendo que desta união nasceram os filhos2:
F 4 – FELIPE;

F 5 – PAULA;

F 6 – GERTRUDES, c.c. VERÍSSIMO JOSÉ PEREIRA.
A família residia no Rincão dos Quatis, na aludida fazenda, a aproximadamente oito quilômetros da sua sede.
Filhos de Gertrudes e Veríssimo:
N 6.1 – JOSÉ VERÍSSIMO, c.c. sua prima CAROLINA GARCIA.
N 6.2 – GRACIANA VERÍSSIMO, c.c. JOÃO HENRIQUE DE OLIVEIRA, filho de Januário Henrique de Oliveira e Joaquina Maria de Jesus.

F 7 – JOAQUINA;

F 8 – SELVINA[i] (nasceu em 1878, batistério em 25-05-18802), c.c. AMADO[4].
Filhos de Selvina[ii]:
N 8.1 – IRINÉIA4;
N 8.2 – CECÍLIA GARCIA[5];
N 8.3 – AMADO GARCIA4;
N 8.4 – CAROLA GARCIA4;
N 8.5 – ISOLINA GARCIA4;
N 8.6 – VIDAL GARCIA3.

F 9 – AMADO GARCIA PEREIRA.

Segundo dados de Enedino Batista Ribeiro[6], os filhos de Vidal, com exceção de Selvina, já eram falecidos em 1959. Vidal, o segundo companheiro de Graciana, faleceu afogado no rio Lavatudo no dia 2 de agosto de 1887, quando tentava resgatar uma rês que havia se perdido da tropa, que seria entregue na Coxilha Rica, do outro lado do rio.
No dia do trágico acontecimento estava marcado o casamento de João Batista Ribeiro de Souza (filho do dono da Fazenda São João de Pelotas, o Cel. João Ribeiro) e Cândida dos Prazeres Batista de Souza, pais de Enedino. O falecido, contudo, era grande amigo de João Batista e o fato atingiu toda a família. Em virtude disso, adiou-se o matrimônio em quatro dias, pois não era possível adiar mais, visto que estavam todos os convidados já localizados na Vila de São Joaquim e todos os preparativos já estavam concluídos.
O casal João Batista e Cândida, em sinal de amizade e afeto ao falecido, criou os dois últimos filhos de Vidal Pereira, que ainda eram bem pequenos: Selvina e Amado Garcia Pereira. Selvina, anos mais tarde, foi ama-de-leite de Enedino, e também teve uma filha chamada Irinéia, da mesma idade que Enedino, de quem ficou amiga quando ele foi passar uns tempos na casa da “Tia” Selvina, no Rincão dos Quatis.
Graciana, segundo Enedino Batista Ribeiro, viveu até cerca de 85 anos. Os filhos dela já nasceram na vigência da Lei do Ventre Livre (Lei nº 2040), promulgada em 28 de setembro de 1871. Essa lei determinava que os filhos de escravas nascidos após a data de promulgação da lei deveriam ser livres, e, além disso, instituía a possibilidade de um escravo comprar a sua alforria, etc[7].  Selvina passou grande parte de sua vida trabalhando com a família Ribeiro, mesmo quando todos se mudaram para a cidade de São Joaquim. Ela tinha uma relação afetuosa com a família Ribeiro, e trabalhou como doméstica principalmente com a família de Candoca, filha do casal João Batista de Souza e Cândida dos Prazeres Batista de Souza, passando depois para a família de Enedino. Com Lydia Palma Ribeiro e Enedino, Selvina trabalhou até 1944, quando a família Ribeiro se mudou para Florianópolis.
Selvina transferiu domicílio para a cidade de São Joaquim para trabalhar, sempre residindo na Rua Francisco Pinto de Arruda.
Selvina, filha de Graciana.

Referências



[i] No seu registro de batismo consta SERVINA, mas ela ficou conhecida na família como SELVINA.
[ii] Talvez Selvina tenha tido mais filhos, mas até o momento só se descobriram o nome desses seis.



[1] Este texto foi originalmente publicado no livro “O Voo das Curucacas”, sendo remodelado para esta publicação. Referência do livro: SCHNEIDER, Ismênia Ribeiro. O Voo das Curucacas: Estudo Genealógico de Famílias Serranas de Santa Catarina. Florianópolis: Letra Editorial, 2013. Coleção Memória Familiar, INGESC, v. 1, 292p.
[2] FAMILY SEARCH, Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias. Registros históricos. Lages, Nossa Senhora dos Prazeres, Batismos de Abril de 1847 a Dezembro de 1850. Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939Z-YT29-M?i=26&wc=11578486&cc=2177296.
[3] DEPOIMENTO de Selvina à Enedino Batista Ribeiro, 20-02-1959. Acervo pessoal de Ismênia Ribeiro Schneider.
[4] Dados fornecidos por Hamilton Vieira e Virgínia Flores Vieira.
[5] Dados fornecidos por Gorette, uma das descendentes de Selvina.
[6] RIBEIRO, Enedino Batista. Gavião-de-Penacho: memórias de um serrano. Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina; co-edição da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 1999.
[7] AMARAL, Sharyse Piroupo. Escravidão, liberdade e resistência em Sergipe: Cotinguiba, 1860 - 1888. 2007.  272 f. Tese (doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciência Humanas da Universidade de Bahia. Salvador, 2007.