Ismênia
Ribeiro Schneider
Cristiane
Budde
Na matéria anterior, apresentamos um
pouco da história de Sófocles e o resumo de “Édipo Rei”. Nesta postagem,
seguimos com a sinopse das peças de “Édipo em Colono” e “Antígona”, destacando
o papel de Ismênia, uma das filhas
de Édipo.
Édipo
em Colono
A filha Antígona guia Édipo, já com
idade avançada, em seu exílio. Os dois caminham sem um rumo certo e chegam a
Colono. Encontram um habitante local e Édipo solicita que chamem o governante
do lugar, Teseu, rei de Atenas. O habitante deseja saber porquê e Édipo afirma
que se o rei lhe ajudar um pouco, lucrará muito.
O habitante diz que, primeiramente,
consultará os cidadãos de Colono, e eles decidirão se o pai e a filha devem
partir ou se podem ficar ali. Chegam os anciãos, que desejam saber sua
identidade. Édipo reluta em dizer: “Não indagues quem sou, não vasculhes, nem
explores mais!”. Os anciãos, contudo, insistem em saber. Édipo revela quem é, e
eles pedem então que Édipo vá embora. Antígona tenta intervir, ao que os
anciãos respondem que se apiedam dos dois, mas que temem as ações divinas.
Dizem que quem deve decidir se Édipo pode ficar no local é o rei.
Uma mulher se aproxima de Antígona e de
seu pai. Logo, ela reconhece a irmã Ismênia. Ela fala que veio cuidar do pai e
trazer notícias. Assim, informa que os irmãos, Polinices e Etéocles, estão
fazendo uma disputa atroz para tomar o poder e o domínio real de Tebas.
Etéocles, mais jovem, priva o trono de Polinices e o expulsa da pátria. Este,
segundo rumores, foi para Argos e fez uma aliança para tomar a Planície
Cadméia.
Além disso, Ismênia diz que os
tebanos procurarão Édipo um dia, morto ou vivo, por causa de prosperidade:
“Dizem que o poder deles está em ti. [...] agora os deuses te elevam, antes te
arruinavam”. A filha diz que sabe disso por previsões do oráculo e ainda o
adverte que, em breve, Creonte tentará levá-lo. Édipo responde que jamais
dominarão sobre ele e pergunta se seus filhos sabem o que ela acabou de contar.
Ismênia diz que sim, ambos sabem.
Édipo afirma que nenhum dos dois terá
seu apoio e justifica: “Passado um tempo, quando a dor toda abrandara e
compreendi que minha alma se excedera ao punir em excesso os erros anteriores,
naquele instante, então, a cidade me bania de minha terra à força e eles,
filhos deste pai, ao pai não podendo ajudar, não quiseram agir e, por falta de
uma breve palavra deles, fui exilado, mendicante, e pus-me a vagar para sempre.
Por obra dessas duas [Antígona e Ismênia], que são moças, o quanto a natureza
lhes permite, tenho meio de vida, segurança na terra e o socorro da família.
Mas os dois ao pai preferem apoderar-se do trono e do cetro e reinar sobre o
país. Mas nunca ter-me-ão como aliado e nem deste reinado em Tebas lhe virá
proveito. Eu sei disso após ouvir dela os oráculos e após refletir nas
profecias preditas para mim que Febo enfim cumpriu. Por isso, que enviem
Creonte para me buscar e quem mais tiver força na cidade. Se vós, estrangeiros,
desejardes, unidos a estas deusas augustas, tutelares do demo, dar-me-ão
proteção, obtereis um grande salvador para esta cidade e, para os inimigos,
pesares”.
Os anciãos, ao ouvir tais palavras de
Édipo, lhe aconselham a realizar um ritual de purificação, que Ismênia se propõe a fazer, pois o pai
diz não ter capacidade, por não enxergar e não ter forças suficientes. Ismênia parte para realizar os ritos.
Chega, então, o rei Teseu: “Após ouvir
de muitos, no passado, sobre a sangrenta mutilação de teus olhos, reconheço-te,
ó filho de Laio, e agora, ao ver-te nestas vias, estou certo. Pois as vestes e
a desditosa face nos revelam quem és e, por te lamentar, quero interrogar,
Édipo infausto, com que súplica vens a mim e à cidade, tu e a infausta que te
acompanha. Declara! Pois só se mencionasses alguma ação terrível demais eu recuaria.
Sei que, como tu, eu mesmo fui educado no exílio e, sendo um só homem em terra
estranha, enfrentei perigos, pondo em risco minha vida, de modo que não poderia
evitar socorrer ninguém que fosse estrangeiro como tu és agora. Sei que sou
homem e que do amanhã não cabe maior parte a mim do que a ti”.
Édipo diz que responderá em poucas
palavras: “Venho para te ofertar meu mísero corpo. Não é um dom precioso pela
aparência, mas seu valor é melhor que uma bela forma”. Ele afirma que seu valor
se apresentará quando morrer e for sepultado por Teseu. Em troca, pede proteção
ao rei, para que não o deixem levar de volta a Tebas. Teseu concorda e garante
que nenhum homem o levará à força.
Creonte chega a Colono e com palavras
benévolas tenta convencer Édipo a retornar para sua pátria. Édipo acusa-o de
ter uma boca falaciosa, e se recusa a partir. Creonte ameaça-o e diz que já
raptou uma de suas filhas e que em breve levará também a outra. Assim, arranca
Antígona da companhia do pai e diz: “Apoiado sobre estes dois esteios [Ismênia
e Antígona] não mais caminharás.” Os soldados que acompanhavam Creonte levam
Antígona.
Em meio à confusão, Teseu é chamado. Ao
saber do ocorrido, proíbe Creonte de sair da cidade sem devolver as filhas de
Édipo. Afirma que seguirá Creonte até o esconderijo em que estão Antígona e Ismênia, e que as trará de volta à
companhia do pai. Édipo agradece e diz que deseja ver Teseu premiado pela
nobreza e pelo empenho justiceiro demonstrados.
Édipo permanece em Colono e Teseu
acompanha Creonte para recuperar Antígona e Ismênia. Teseu consegue o prometido e retorna com as duas filhas de
Édipo. Ademais, o rei diz ter ouvido rumores de que um parente de Édipo
desejava falar-lhe, e que, por isso, oferecia um sacrifício ao deus Poseidon[1]: “Dizem
que ele pretende obter algo de ti e logo partirá sem se expor a perigos”.
Édipo pergunta quem poderia querer-lhe
um favor, ao que Teseu responde: “Medita um pouco: não terás algum parente em Argos,
ansioso por certo favor?”. Neste momento Édipo percebe que quem deseja lhe
falar é seu filho, Polinices, cuja voz agora lhe parece insuportável. Contudo,
Teseu e Antígona convencem-no de pelo menos conceder um encontro ao filho.
Polinices chega sozinho, às lágrimas.
Dirigindo-se a Édipo, fala que ficou sabendo muito tarde da condição em que se
encontrava seu pai, e que, por não cuidar dele, provou ser o pior dos homens.
Lamenta, ainda, não ser possível corrigir faltas passadas. O filho espera uma
resposta do pai, que se mantém calado. Polinices pede que Édipo lhe diga alguma
coisa, então Antígona solicita que o irmão informe o motivo pelo qual veio.
Polinices anuncia: “Fui banido de minha
terra e me exilei por ter querido como filho primogênito subir ao trono e
reinar soberanamente. Por isso Etéocles, apesar de mais jovem, expulsou-me de
minha pátria sem tentar persuadir-me graças a bons argumentos e sem mostrar-se
mais valente e poderoso, somente por haver seduzido a cidade. Parece-me que a
causa dessa usurpação foi antes de mais nada a tua maldição, como também
revelam os próprios oráculos. Chegando a Argos dórica tornei-me genro de
Ádrasto e consegui formar na terra de Ápis, mediante juramento, um grupo de
guerreiros considerados os primeiros em bravura e honrados como tais. Organizei
com eles um grande exército de sete contingentes, e à sua frente pus-me em
marcha contra Tebas, disposto a expulsar de lá os responsáveis pela brutal
usurpação ou a morrer por uma causa inexcedivelmente justa. Continuando, por
que vim até aqui? Para fazer-te como suplicante, pai, uma prece em meu próprio
nome e ao mesmo tempo em nome de meus aliados
que sitiam agora mesmo, com seus sete contingentes e sete chefes, Tebas
e sua planície. [...] E todos nós, por estas tuas filhas, pai, e até por tua
vida, juntos imploramos que diminuas o grave ressentimento contra teu filho no
momento da partida para vingar-se de um irmão usurpador que o despojou de sua
pátria. Se devemos dar crédito aos oráculos, o vencedor será aquele que obtiver
o teu apoio. Agora, então, por nossas fontes, pelos deuses de nossa raça, ouve,
cede à minha súplica! Que sou aqui? Simples pedinte, um exilado, como tu mesmo
um estrangeiro. Ambos tivemos destino igual, sempre lisonjeando os outros. Etéocles,
muito ao contrário, atualmente — ah! infeliz de mim! — é rei em nosso trono e
zomba vaidosamente de nós dois. Mas, se eu contar com teu apoio em meus
propósitos, dentro de pouco tempo e com pouca fadiga poderei dispersar aos
ventos suas cinzas. Em seguida regressarás ao teu palácio, e a ele voltarei
também, logo depois de o forçar a deixá-lo. Se for teu desejo, já posso alardear
triunfo, mas sem ti não sei sequer se sobreviverei à luta.”
Édipo contrapõe que, se não fosse pelo
pedido de Teseu, nem ouviria a voz do filho. Responde: “Perverso, que quando
tiveste o cetro e o trono usufruídos hoje por teu próprio irmão em Tebas, expulsaste,
tu mesmo, teu pai e o transformaste simplesmente num apátrida coberto por estes
andrajos cujo aspecto te leva às lágrimas [...]. É tua a culpa se vivo nesta
miséria, pois me expulsaste, e se levo uma vida errante de mendigo pedindo o
pão de cada dia, tu és a causa. E se eu não tivesse gerado estas meninas a quem
devo o meu sustento, e dependesse só de ti para viver, já estaria morto. [...] Ouve
bem: jamais poderá conquistá-la [Tebas]; antes morrerás sangrentamente e teu
irmão cairá contigo. É esta a maldição que vos lancei há tempo e reitero agora
para a vossa ruína, pois só assim achareis justa a reverência em relação a quem
vos deu a existência e injusto o menosprezo por vosso pai cego que vos gerou
assim; estas duas meninas, ao contrário, não se portaram como vós. Por isso
minhas maldições serão mais fortes que tuas súplicas e que teu trono e cetro, se
a imemorial Justiça está sentada de fato ao lado das antigas leis de Zeus. Vai-te
embora daqui, coberto de vergonha, filho sem pai, o mais perverso dos
perversos, levando as maldições que chamo contra ti. Queiram os deuses que
jamais a tua lança possa vencer a terra que te viu nascer! Queiram eles também
que nunca mais regresses a Argos rodeada de muitas colinas, e que, ferido pela
mão de teu irmão usurpador, morras e ao mesmo tempo o mates! [...] Ouviste-me;
retira-te e vai revelar a todos os cadmeus e aos seus bons aliados quais são os
privilégios que neste momento Édipo está atribuindo aos seus dois filhos!”.
O filho lamenta as palavras do pai e
afirma que só lhe resta enfrentar o seu destino. Pede que as irmãs não o
afrontem e que, caso a maldição se concretize, que elas façam seu sepulcro e as
honras fúnebres. Assim, Polinices parte para encontrar a sua tropa e marchar à
Tebas. Revela à irmã, que tenta persuadi-lo a desistir do ataque, que não
informará o seu insucesso e nem as previsões de Édipo a ninguém; se tiver de
morrer, assim será, mas ele não recuará para um futuro vergonhoso e humilhante.
Ouvem-se trovões, e Édipo, afirmando que
seu fim está próximo, solicita que as filhas chamem Teseu. O rei chega e Édipo
diz: “Agora vou mostrar-te sem guia nenhum o pedaço de terra onde devo morrer. Em
tempo algum, porém, poderás revelar a qualquer outro homem o lugar oculto, nem
mesmo a região onde ele se situa, se queres que eu te envie no futuro ajuda igual
à de escudos e lanças incontáveis mandados por vizinhos para socorrer-te. Conhecerás
mais tarde o mistério sagrado lá no local, só tu, pois nem eu mesmo posso transmiti-lo
a nenhum de teus concidadãos, nem às minhas próprias crianças, apesar do meu
amor por elas. Terás de guardá-lo por toda a vida, e na hora de tua morte confia-o
somente ao súdito mais digno, para que por seu turno ele o revele um dia a um
sucessor fiel e assim se faça sempre. Desta maneira manterás a tua pátria ao
abrigo das incursões devastadoras dos soldados de Tebas.”
Édipo começa a caminhar sem um guia, em
busca do local sagrado que seu corpo deve ser sepultado. Todos que estão
presentes o seguem. Ele afirma: “Não me esqueçais, porém, nos vossos dias
prósperos, mesmo depois de minha morte, se quiserdes ser venturosos para
sempre, todos vós!”. Solicita também que Teseu auxilie suas filhas e não as
abandone voluntariamente.
Por fim, pede que as filhas e a comitiva
que os acompanhava o deixem sozinho com Teseu, que deve ser o único a
presenciar os fatos. Após breve tempo, eles se voltam para trás e percebem que
Édipo não estava mais presente. Assim, um mensageiro, ao comunicar a morte de Édipo,
afirma: “Quando nos afastávamos, logo depois, olhamos para trás e notamos que
Édipo já não estava lá; vimos somente o rei com as mãos no rosto para proteger
os olhos diante de alguma visão insuportável. Pouco depois — quase no mesmo
instante — vimo-lo fazendo preces e adorando juntamente a terra e o divino
Olimpo com seus gestos. Mas nenhum dos mortais, salvo o próprio Teseu, pode dizer
como Édipo chegou ao fim”.
Antígona e Ismênia lamentam a morte do pai e solicitam que Teseu as leve até o
local do sepulcro. O rei, contudo, diz-lhe que isto é interdito, que o próprio
Édipo lhe demandou que ninguém conhecesse e fosse até o lugar. Elas compreendem
o pedido do pai, e pedem para que Teseu as leve para Tebas, com o intuito de
tentar impedir as previsões destinadas aos seus irmãos.
[Fim
de Édipo em Colono]
Antígona
Antígona e Ismênia encontram-se em frente ao palácio real de Tebas, no dia
seguinte à derrota do exército de Argos, comandado por Polinices. Antígona
pergunta à irmã se ela já sabe do novo decreto que Creonte, então rei de Tebas,
promulgou. Ismênia diz que não: “Sobre
os amigos não ouvi notícia alguma, Antígona, fosse agradável, fosse triste, desde
que nos levaram nossos dois irmãos mortos no mesmo dia um pela mão do outro. Já
desapareceram os soldados de Argos durante a noite recém-finda, e mais não sei,
nem mesmo se sou mais feliz ou infeliz”.
Antígona esclarece à irmã o decreto: “Pois
não ditou Creonte que se desse a honra da sepultura a um de nossos dois irmãos enquanto
a nega ao outro? Dizem que mandou proporcionarem justos funerais a Etéocles com
a intenção de assegurar-lhe no além-túmulo a reverência da legião dos mortos;
dizem, também, que proclamou a todos os tebanos a interdição de sepultarem ou
sequer chorarem o desventurado Polinices: sem uma lágrima, o cadáver insepulto irá
deliciar as aves carniceiras que hão de banquetear-se no feliz achado. Esse é o
decreto imposto pelo bom Creonte a mim e a ti (melhor dizendo: a mim somente); vê-lo-ás
aparecer dentro de pouco tempo a fim de alardear o edito claramente a quem
ainda o desconhece. Ele não dá pouca importância ao caso: impõe aos
transgressores a pena de apedrejamento até a morte perante o povo todo. Agora
sabes disso e muito breve irás tu mesma demonstrar se és bem-nascida ou filha
indigna de pais nobres”.
Assim, o corpo de Polinices permanece
insepulto, vigiado por guardas do rei, que não devem ter piedade para com
aqueles que infringirem as ordens. Ismênia
questiona o que ela poderia fazer frente a isso, e Antígona diz que ela deve
decidir se a ajudará a sepultar o irmão. Antígona afirma que não trairá
Polinices e que Creonte não pode impedi-la de abandonar os seus. Ismênia pede que a irmã reconsidere,
pensando no destino que tiveram seu pai, mãe e irmãos, e também na morte que
terão caso desobedecerem às leis do rei. Ela diz que pede clemência aos seus
mortos enterrados, mas que prefere, ainda que constrangida, obedecer às ordens
dos governantes.
Antígona ignora o conselho da irmã: “Não
mais te exortarei e, mesmo que depois quisesses me ajudar, não me satisfarias. Procede
como te aprouver; de qualquer modo hei de enterrá-lo e será belo para mim morrer
cumprindo esse dever: repousarei ao lado dele, amada por quem tanto amei e
santo é o meu delito, pois terei de amar aos mortos muito, muito tempo mais que
aos vivos. Eu jazerei eternamente sob a terra e tu, se queres, foge à lei mais
cara aos deuses”.
Ismênia
nega fugir das leis divinas, afirma apenas não querer se opor a seus
concidadãos. Apesar de não se propor a auxiliar a irmã, garante que não contará
nada sobre os seus atos. Antígona, contudo, manda-a contar a todo mundo, e que,
se não o fizer, odiará ainda mais a irmã.
As irmãs vão embora para lados opostos e
Creonte aparece frente ao palácio real para comunicar a quem ainda não sabe o
seu decreto. Discursa sobre Tebas e a importância do amor à pátria acima das
amizades, e então pronuncia: “que Etéocles, morto lutando pela pátria, desça
cercado de honras marciais ao túmulo e leve para o seu repouso eterno tudo que
só aos mortos mais ilustres se oferece; mas ao irmão, quero dizer, a Polinices,
que regressou do exílio para incendiar a terra de seus pais e até os santuários
dos deuses venerados por seus ascendentes e quis provar o sangue de parentes
seus e escravizá-los, quanto a ele foi ditado que cidadão algum se atreva a
distingui-lo com ritos fúnebres ou comiseração; fique insepulto o seu cadáver e
o devorem cães e aves carniceiras em nojenta cena. São estes os meus
sentimentos e jamais concederei aos homens vis maiores honras que as merecidas
tão somente pelos justos. Só quem quiser o bem de Tebas há de ter a minha
estima em vida e mesmo após a morte”.
Chega um guarda que, titubeante,
comunica: “O morto… alguém há pouco o sepultou e foi-se embora; apenas pôs alguma
terra seca recobrindo as carnes e praticou deveres outros de piedade [...] Não
conseguimos ver marcas de pás, nem sulcos feitos por enxada; o chão estava bem
liso, duro e seco, sem sinais de rodas; o autor da ação é desses que não deixam
pistas. Quando o vigia da manhã nos alertou para o acontecido, uma surpresa
triste tomou conta de nós; não víamos o morto, embora ele não estivesse bem
sepulto, pois era muito pouca a terra que o cobria, como se fosse posta pela
mão de alguém querendo apenas evitar um sacrilégio”.
Creonte acusa os guardas de terem sido
corrompidos e subornados por pessoas que não querem se submeter a ele como rei.
Pronuncia que se o responsável não for descoberto, a morte não será pena
suficiente para os guardas: “sereis dependurados todos, inda vivos, até que
alguém confesse o crime!”. O guarda parte afoitamente.
O mesmo guarda retorna pouco tempo
depois, trazendo Antígona e afirmando que ela foi surpreendida finalizando o
funeral de Polinices. Creonte questiona se o guarda tem certeza do que disse e
o que os guardas a viram fazendo, ao que ele responde: “O fato aconteceu assim:
quando voltamos, com aquelas tuas ameaças horrorosas pesando sobre nós, tiramos
toda a terra que recobria o corpo e cuidadosamente despimos o cadáver meio
decomposto; então nós nos sentamos no alto da colina, tendo a favor o vento
para que o fedor não viesse contra nós. Estava cada um bem acordado e se
esforçava por manter alerta o seu vizinho com descomposturas, se alguém se
descuidava da tarefa dura. Assim passou o tempo até que o sol brilhante chegou
a meio céu em sua caminhada e começou a nos queimar com seu calor; nesse
momento um vento repentino e forte soprou em turbilhão — celeste turbulência — pela
campina toda, desfolhando as árvores das redondezas. O ar em volta escureceu e
para suportar o flagelo divino tivemos de fechar os olhos. Ao cessar aquilo,
muito tempo após, vimos a moça; ela gritava agudamente, como um pássaro amargurado
ao ver deserto o caro ninho, sem suas crias. Ela, vendo o corpo nu, gemendo
proferiu terríveis maldições contra quem cometera a ação; amontoou com as mãos,
de novo, a terra seca e levantando um gracioso jarro brônzeo derramou sobre o
cadáver abundante libação. Corremos quando vimos aquele espetáculo e todos
juntos seguramo-la, mas ela não demonstrou estar com medo; então pusemo-nos a
interrogá-la sobre o seu procedimento passado e atual; para alegria minha, e dó
ao mesmo tempo, ela nada negou. É bom livrarmo-nos de males mas é triste lançar
amigos nossos na infelicidade. Mas, isso tudo para mim neste momento importa
menos do que a minha salvação”.
Creonte interroga Antígona sobre o
ocorrido e ela confirma que sepultou o irmão seguindo as leis divinas, que são
eternas, irrevogáveis, ninguém sabe desde quando vigoram. Ainda proclama que
não teme o poder de homem algum e nem mesmo a morte, devido às desgraças que
vive.
O rei diz não poder deixar o ato impune,
se o fizesse, não seria mais um homem. Acusa então Ismênia de também ter premeditado o sepultamento. Manda-a chamar,
lembrando que a viu há pouco no palácio, fora de si. Comenta que muitas vezes
isso é indício de alguém que pensa em realizar um ato perverso e acaba sendo
traído pela própria mente antes de realiza-lo.
Ismênia,
às
lágrimas, chega trazida por guardas reais. Ao ser questionada sobre sua
participação no enterro, ela confirma que praticou a ação e é cúmplice no ato,
aceitando as consequências. Antígona, porém, nega: “Mas nisso não terás o apoio
da Justiça, pois nem manifestaste aprovação à ideia nem eu te permiti
participar da ação”. Diz ainda que os mortos e Hades bem sabem quem fez tudo e
que não quer a companhia da irmã em sua morte.
Ismênia
pergunta
como poderá viver sem a irmã, ao que Creonte responde: “Não fales mais nela,
ela, é como se já não vivesse”. Ela devolve com outra pergunta: “Ordenarás tu
que pereça a noiva de teu filho?”. O rei afirma que existem outros campos que
se filho, Hémon, pode cultivar. Ordena que as duas sejam levadas e não andem
mais em liberdade.
Hémon, ao saber do ocorrido, expõe seus
argumentos e tenta convencer o pai de que o povo de Tebas não vê Antígona como
uma criminosa. Creonte, contudo, acusa-o de se pôr a serviço de uma mulher e
esbraveja que o filho nunca desposará essa mulher em vida. Ao que Hémon
responde: “Ela morrerá, eu sei. Mas a sua morte há de causar outra!”. O filho
vai embora, e diz que o pai nunca mais o verá, e que ele deve descarregar seus
furores sobre os que a isso se sujeitarem.
Creonte resolve poupar Ismênia da morte, pois ela nada fez. Já
Antígona, ele ordena que seja encarcerada em um túmulo subterrâneo, viva, com
“alimento suficiente para que a cidade não seja maculada pelo sacrilégio”.
Assim, ela é levada pelos guardas. O profeta Tirésias, contudo, adverte Creonte
sobre os males que estão presentes e os que virão diante do que ele fez com
Polinices e Antígona: “é por tua causa, por tuas decisões, que está enferma
Tebas. Nossos altares todos e o fogo sagrado estão poluídos por carniça do
cadáver do desditoso filho de Édipo, espalhada pelas aves e pelos cães; por
isso os deuses já não escutam nossas preces nem aceitam os nossos sacrifícios
[...]. Pensa, então, em tudo isso, filho. Os homens todos erram mas quem comete
um erro não é insensato, nem sofre pelo mal que fez, se o remedia em vez de
preferir mostrar-se inabalável; de fato, a intransigência leva à estupidez. Cede
ao defunto, então! Não firas um cadáver! Matar de novo um morto é prova de
coragem? Pensei só no teu bem e é por teu bem que falo. Convém ouvir a fala do
bom conselheiro se seus conselhos são para nosso proveito”.
Apesar do conselho, o rei reluta em
aceitar. Assim, Tirésias profere: “Então fica sabendo, e bem, que não verás o
rápido carro do sol dar muitas voltas antes de ofereceres um parente morto como
resgate certo de mais gente morta, pois tu lançaste às profundezas um ser vivo e
ignobilmente o sepultaste, enquanto aqui reténs um morto sem exéquias,
insepulto, negado aos deuses ínferos. Não tens, nem tu, nem mesmo os deuses das
alturas, tal direito; isso é violência tua ousada contra os céus! Estão por
isso à tua espreita as vingativas, terríveis Fúrias dos infernos e dos deuses, para
que sejas vítima dos mesmos males. [...] Num tempo não muito distante se
ouvirão gemidos de homens e mulheres de teu lar”.
Creonte fica preocupado com a previsão
de Tirésias e resolve sepultar Polinices e libertar Antígona. Sai do palácio
para realizar ele mesmo as ações e evitar que as palavras de Tirésias se
concretizem.
Um mensageiro, entretanto, chega em
frente ao palácio para e comunica à Eurídice, mãe de Hémon e esposa de Creonte,
que seu filho morreu depois de ferir a si mesmo, furioso com seu pai, devido à
morte de Antígona. A esposa do rei solicita que ele explique o que aconteceu. O
mensageiro diz que acompanhou Creonte, que eles fizeram o rito de sepultamento
de Polinices e seguiram para a caverna de pedra onde Antígona foi deixada. No
fundo do túmulo estava ela, que tinha se enforcado com os cadarços de sua
cintura. Hémon chorava a morte daquela que teria sido a sua esposa. O rei pediu
que o filho saísse da caverna, mas ele lhe cuspiu no rosto e tentou lhe atingir
com a espada. Não conseguindo, voltou a espada contra si mesmo e cravou-a no
peito, abraçando-se a Antígona.
Eurídice fica em silêncio e entra no
palácio. O mensageiro a segue e a encontra morta. Ela, voluntariamente,
feriu-se com um punhal. Creonte chega ao palácio com Hémon nos braços e
encontra sua esposa, já sem vida. Culpa-se, então, pelo ocorrido e afirma não
querer ver clarear outro dia, ao que o Coro responde: “Não formules desejos... Não
é lícito aos mortais evitar as desgraças que o destino lhes reserva”.
[fim
de Antígona]
Finalizamos assim a história dos três
dramas gregos, escritos por Sófocles, que descrevem a vida e as tragédias de
Édipo e de seus filhos Polinices, Etéocles, Antígona e Ismênia. Esta última, apesar de auxiliar o pai ao longo da obra “Édipo
em Colono”, na peça “Antígona”, apresenta uma posição de passividade e
obediência às leis humanas, negando-se a ajudar a irmã a sepultar Polinices. A personagem desempenha um papel predominantemente
secundário e de submissão, como pode ser observado no diálogo com Antígona: “Não
se esqueça que somos mulheres e não poderemos lutar contra os homens. O Rei é o
Rei. [...] Eu me inclinarei diante da força. É loucura empreender mais do que
se pode”. Contudo, Ismênia propõe-se
a morrer junto com a irmã quando os guardas descobrem que ela enterrou o irmão.
Antígona a impede, esclarecendo ao rei que ela nada fez. Assim, Ismênia sobrevive, mas acaba “condenada” a viver sozinha, sem seus pais e
irmãos.
Apesar de seu papel mais secundário, o
nome Ismênia foi o que se perpetuou na
cultura da Serra Catarinense, sendo um nome recorrentemente usado, em especial
em Lages e São Joaquim. Entretanto, não se sabe como o nome teria surgido na
região, sendo utilizado até a atualidade. Sabe-se, somente, que o nome foi
empregado muitas vezes como uma homenagem a uma ancestral querida, como foi Ismênia
Pereira Machado (Ismênia Palma), casada com Inácio Palma, e que com ele se tornou
o casal mítico dessa família. Porém, desconhece-se a origem de tal tradição e
qual teria sido a primeira Ismênia que residiu na região.
Referências
SÓFOCLES.
A Trilogia Tebana. Édipo Rei, Édipo
em Colono, Antígona. Tradução do grego, introdução e notas: Mário da Gama Kury,
15ª reimpressão. Editora Zahar, 1989. http://www.colegiopodium.com.br/blog/wp-content/uploads/2015/02/sofocles-trilogia-tebana.pdf.
Acesso em: 18 de fevereiro de 2016.
SÓFOCLES.
Antígona. Tradução de J. B. de Mello
e Souza. Versão para eBook EbookBrasil.com. Digitalização do livro Clássicos
Jackson, vol. XXII, 2005.
ZANIRATTO,
C. P. Tradução, comentário e notas de
Édipo em Colono de Sófocles. Dissertação de mestrado, Universidade Estadual
de Campinas, SP, 2003. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000325173.
[1]
Poseidon: rei dos mares.
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