quinta-feira, 3 de março de 2016

Os mitos gregos e o nome Ismênia

             Ismênia Ribeiro Schneider
Cristiane Budde

              Na última matéria do Blog fizemos um estudo sobre o nome Ismênia, muito comum na Serra Catarinense em especial nas Famílias Palma, Souza e Ribeiro. Apresentamos algumas curiosidades relacionadas ao nome, como atrizes e personagens da literatura brasileira chamadas “Ismênia”, e também a existência de uma planta com o mesmo nome, que possui propriedades medicinais e pode ser utilizada para ornamentar jardins. Além disso, organizamos uma lista com os nomes e breves informações sobre todas as Ismênias ou Esmênias de que temos conhecimento.
            A presente matéria e a seguinte se dedicam a relacionar o nome com três peças gregas, escritas por Sófocles, no século V a.C.: Antígona, Édipo Rei e Édipo em Colono. Iniciamos contando um pouco da história do autor.

Sófocles

Sófocles nasceu, por volta de 496 a.C., em Colono, próximo a Atenas. Viveu e faleceu em Atenas, em aproximadamente 406 a.C.. É considerado um dos grandes representantes do teatro grego antigo, sendo o segundo dos três poetas trágicos canônicos, pois suas obras são posteriores às de Ésquilo e anteriores às de Eurípedes.
Vale ressaltar que o legado deixado pelos gregos exerceu influência fundamental na cultura ocidental. Sócrates, Platão, Aristóteles, Arquimedes, Hipócrates, Sófocles, dentre tantos outros nomes são lembrados e estudados amplamente até a atualidade. Assim, tanto na arte, quanto nas ciências, observa-se uma herança grega significativa, que embasa os valores e a cultura ocidental.
Sófocles foi ainda em vida o mais bem sucedido autor de tragédias do século V a.C., já que obteve o maior número de vitórias nos concursos dramáticos de Atenas. Os testemunhos antigos atribuem a ele cerca de 123 tragédias e dramas satíricos, contudo, somente sete tragédias chegaram até a atualidade na íntegra. As tragédias sobreviventes são: Ájax, Antígona, As traquinianas, Édipo Rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono. Esta última foi encenada e apresentada pelo neto de Sófocles, que tinha o mesmo nome do avô, anos depois da morte do autor.
Em suas peças, Sófocles trabalhou bastante a questão do “destino humano”, como pode ser observado em Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona, três obras para as quais chamamos a atenção, pois nelas temos uma personagem denominada Ismênia, que é uma das filhas de Édipo.
Apresentaremos um resumo das três peças em dois textos, seguindo uma sequência cronológica, que não foi a maneira como foi escrita por Sófocles. O autor escreveu primeiramente Antígona, em seguida Édipo Rei e, mais tarde, no fim de sua vida, escreveu Édipo em Colono. Nesta matéria, focaremos apenas a história de Édipo Rei.

Édipo Rei

            A cidade de Tebas passa por grandes necessidades. O Rei Édipo enviou seu cunhado, Creonte, para consultar o oráculo. Creonte perguntou-lhe o que deveria ser feito para salvar Tebas. A resposta indicava que a cidade deveria ser purificada, antes que os males se tornassem incuráveis.
            Édipo questiona como isso deveria ser feito e Creonte diz que Tebas tem de expulsar ou punir com a morte o assassino de Laio, que foi o rei anterior a Édipo. Este, que afirma não tê-lo conhecido, indaga como poderiam encontrar o assassino, aonde ocorreu o crime e se havia alguma testemunha. Creonte responde que houve apenas um sobrevivente, que teria fugido de um bando de salteadores. Como na época a Esfinge afligia a cidade com os seus enigmas, o fato acabou não sendo mais investigado.
Frente a isso, Édipo chama Tirésias, profeta, de bastante idade e cego. Porém, quando ele chega à cidade, reluta em falar o que sabe, dizendo que, tanto para ele, como para Édipo, é melhor se manter calado e voltar para casa. Édipo insiste para que Tirésias fale, irritando-se com a negativa do profeta. Por fim, o rei acusa Tirésias de ser mandante do crime. Com a acusação, o profeta acaba revelando que quem profana a terra de Tebas é o próprio Édipo, que o rei é o assassino de Laio. Ainda dirigindo-se ao rei, afirma: “não sabes ainda a que desgraça te lançaste!”.
Não acreditando nas palavras de Tirésias, Édipo desconfia de Creonte, que estaria desejando tomar-lhe o poder e, por isso, mandou o profeta dizer tais coisas. Antes de partir, o cego ainda profere: “tu tens os olhos abertos à luz, mas não enxergas teus males, ignorando quem és, o lugar onde estás, e quem é aquela com quem vives. Sabes tu, por acaso, de quem és filho? Sabes que és o maior inimigo dos teus, não só dos que já se encontram no Hades[1], como dos que ainda vivem na terra? Um dia virá, em que serás expulso desta cidade pelas maldições maternas e paternas. Vês agora tudo claramente; mas em breve cairá sobre ti a noite eterna [...] Tu me consideras tolo; mas para teus pais - os que te deram a vida - eu sempre fui ajuizado”.
Ao ouvir isso, Édipo, que já havia mandado Tirésias embora, pergunta: “Que pais? Espera um momento!... Dize: quem me deu a vida?”. Ao que ele responde: “o homem que procuras há tanto tempo por meio de ameaçadoras proclamações, sobre a morte de Laio, ESTÁ AQUI! Passa por estrangeiro domiciliado, mas logo se verá que é tebano de nascimento, e ele não se alegrará com essa descoberta. Ele vê, mas tomar-se-á cego; é rico, e acabará mendigando; seus passos o levarão à terra do exílio, onde tateará o solo com seu bordão. Ver-se-á, também, que ele é, ao mesmo tempo, irmão e pai de seus filhos, e filho e esposo da mulher que lhe deu a vida; e que profanou o leito de seu pai, a quem matara. Vai, Édipo! Pensa sobre tudo isso em teu palácio; se me convenceres de que minto, podes, então, declarar que não tenho nenhuma inspiração profética”.
O profeta parte, e Édipo discute com Creonte, acusando-o e dizendo que ele será exilado. Negando as acusações, Creonte vai embora, afirmando que o rei sentirá remorso por isso. Jocasta, esposa de Édipo e irmã de Creonte chega à cena e pergunta a razão de tamanha cólera. Édipo diz que Creonte acusa-o de matar Laio, e que insinuou isso a um adivinho impostor.
Jocasta pede que o marido se acalme, pois não há nenhum mortal que possa prever o futuro. E continua: “Vou dar-te já a prova do que afirmo. Um oráculo outrora foi enviado a Laio [...] O destino do rei seria o de morrer vítima do filho que nascesse de nosso casamento. No entanto, - todo o mundo sabe e garante, - Laio pereceu assassinado por salteadores estrangeiros, numa encruzilhada de três caminhos. Quanto ao filho que tivemos, muitos anos antes, Laio amarrou-lhe as articulações dos pés, e ordenou que mãos estranhas o precipitassem numa montanha inacessível. Nessa ocasião, Apolo deixou de realizar o que predisse!... Nem o filho de Laio matou o pai, nem Laio veio a morrer vítima de um filho, morte horrenda, cuja perspectiva tanto o apavorava! Eis aí como as coisas se passam, conforme as profecias oraculares! Não te aflijas, pois; o que o deus julga que deve anunciar, ele revela pessoalmente!”
Faz-se um momento de silêncio. Édipo se aflige com o relato de Jocasta e começa a fazer-lhe perguntas: “disseste ter sido Laio assassinado numa tríplice encruzilhada?”, “E onde se deu tamanha desgraça?”, “E há quanto tempo aconteceu isso?”. Ao que Jocasta responde que Laio foi assassinado sim em uma tríplice encruzilhada, no local em que a estrada que divide, e um dos caminhos é para Delfos [onde há o oráculo]. A notícia da morte teria chegado pouco antes do dia em que Édipo foi proclamado rei [proclamação que ocorreu após ele derrotar a Esfinge, solucionando seu enigma. Por salvar Tebas da Esfinge, concederam-lhe Jocasta como esposa].
Édipo impressionado, continua a perguntar: “Como era então Laio? Que idade teria?”. Jocasta responde: “Era alto e corpulento; sua cabeça começava a branquear. Parecia-se um pouco contigo.” Édipo exclama: “Ai de mim! Receio que tenha proferido uma tremenda maldição contra mim mesmo, sem o saber! Estou aterrado pela suposição de que o adivinho tenha acertado... Mas tu me elucidarás melhor, se acrescentares algumas informações”. Ela, inquieta, assente.
Ele pergunta se o rei Laio viajava com reduzida escolta, e ela afirma que eram cinco viajantes, e um só carro. Quem lhe informou isso, foi o único sobrevivente que, ao ver que Édipo estava no poder de Tebas, pediu que o mandassem para o campo, a pastorear rebanhos, o que lhe fora atendido. Édipo solicita que o servo seja chamado ao palácio. Jocasta consente, mas pergunta o que tanto aflige o marido.
Édipo afirma que é filho de Políbio, de Corinto, mas que, durante um festim, um homem lhe afirmou que ele não era filho legítimo de Políbio. No dia seguinte, ele seguiu para Delfos, para consultar o oráculo a respeito de seus pais. Contudo, ele não respondeu seu questionamento e anunciou uma série de desgraças: “que eu estava fadado a unir-me em casamento com minha própria mãe, que apresentaria aos homens uma prole malsinada, e que seria o assassino de meu pai, daquele a quem devia a vida. Eu, diantede tais predições, resolvi, guiando-me apenas pelas estrelas, exilar-me para sempre da terra coríntia, para viver num lugar onde nunca se pudessem realizar -pensava eu - as torpezas que os funestos oráculos haviam prenunciado. Caminhando, cheguei ao lugar onde tu dizes que o rei pereceu. A ti, mulher, vou dizer a verdade, do princípio ao fim. Seguia eu minha rota, quando cheguei àquela tríplice encruzilhada; ali, surgem-me pela frente, em sentido contrário, um arauto, e logo após, um carro tirado por uma parelha de cavalos, e nele um homem tal como me descreveste. O cocheiro e o viajante empurraram-me violentamente para fora da estrada. Furioso, eu ataquei o cocheiro; nesse momento passava o carro a meu lado, e o viajante chicoteou-me na cara com o seu duplo rebenque. Ah! mas ele pagou caro essa afronta; ergui o bordão com que viajava, e bati-lhe, com esta mão; ele caiu, à primeira pancada, no fundo do carro. Atacado, matei os outros. Se aquele velho tinha qualquer relação com Laio, quem poderá ser mais desgraçado no mundo do que eu? Que homem será mais odiado pelos deuses? [...] A esposa do morto, eu a maculo tocando-a com minhas mãos, porque foram minhas mãos que o mataram... Não sou eu um miserável, um monstro de impureza?”
Édipo pede, então, para trazer o sobrevivente, pois se ele continuar afirmando que foram salteadores que mataram Laio, ele mesmo não será o culpado. Ao que Jocasta completa: “ainda que mude agora sua narração, nunca poderá provar que a morte de Laio foi obra tua, visto que pelo oráculo de Apolo o rei devia morrer às mãos de meu filho; ora, esse filho infeliz não poderia ter ferido a Laio, porque morreu antes dele. Em tal caso, eu não daria mais nenhum valor aos oráculos!”.
Chega um mensageiro informando que Políbio, pai de Édipo faleceu por uma doença. Édipo fica mais tranquilo em relação à profecia, pois saiu de Corinto para evitar que as previsões de matar seu pai e desposar sua mãe se tornassem reais. Contudo, ao ouvir o alívio de Édipo, o mensageiro revela que ele não era filho legítimo do rei de Corinto, que o próprio mensageiro o havia entregue ainda pequenino nas mãos de Políbio, para que criasse Édipo.
O mensageiro havia encontrado Édipo em uma montanha, com os pés amarrados, nas mãos de um pastor, servo de Laio. Édipo deseja falar com o pastor, que é chamado ao palácio. Jocasta implora que Édipo não insista em descobrir quem ele é. Desesperada, ela se retira.
O pastor chega e o mensageiro pergunta se ele se lembra de ter-lhe confiado uma criança há muitos anos trás. O servo se esquiva, tenta não responder, mas sob ameaças do rei, confirma. Édipo insiste em saber de quem o pastor recebeu a criança, ao que ele teme responder, mas afirma que quem lhe entregou o menino foi Jocasta, para que o deixasse morrer.  Ela fez isso temendo a realização do que os oráculos proferiram, que o menino mataria o próprio pai, Laio. Porém, o servo afirma que ficou com pena da criança e resolveu entrega-la para que vivesse em um lugar distante, pensando que assim a salvaria.
Édipo percebe o que ocorreu: “Oh! Ai de mim! Tudo está claro! Ó luz, que eu te veja pela derradeira vez! Todos sabem: tudo me era interdito: ser filho de quem sou, casar-me com quem me casei e eu matei aquele a quem eu não poderia matar!”.
Jocasta é encontrada sem vida, suspensa por uma corda. Édipo, desatinado e desesperado, arranca as órbitas de seus próprios olhos com os colchetes de ouro de seu manto, e grita: “"Não quero mais ser testemunha de minhas desgraças, nem de meus crimes!”. Pede a Creonte para que seja exilado de Tebas. Também solicita que ele não se preocupe com os filhos homens [Polinices e Etéocles], pois não lhes faltarão meios de vida. Mas, pede que Creonte cuide de suas filhas, Antígona e Ismênia. As duas chegam ao palácio, por pedido de Creonte, e chorando vão falar com o pai, que diz que de nada sabia e lamenta as dificuldades que elas viverão por serem filhas de quem são.
[fim do Édipo Rei]
[continua na próxima matéria com as peças Édipo em Colono e Antígona]

Referências
Santiago, Emerson. Sófocles. InfoEscola, 2016. Disponível em: http://www.infoescola.com/biografias/sofocles/. Acesso em: 03 de março de 2016.

RIBEIRO JR., W.A. Sófocles - I. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em www.greciantiga.org/arquivo.asp?num=0075. Acesso em: 03 de março de 2016.

KURY, Mário da Gama. Introdução. In: SÓFOCLES. A Trilogia Tebana. Édipo Rei, Édipo em Colono, Antígona. Tradução do grego, introdução e notas: Mário da Gama Kury, 15ª reimpressão. Editora Zahar, 1989. http://www.colegiopodium.com.br/blog/wp-content/uploads/2015/02/sofocles-trilogia-tebana.pdf

SÓFOCLES. Édipo Rei. Tradução de J. B. de Mello e Sousa. Versão para eBook eBooksBrasil.com, digitalização do livro em papel Clássicos Jackson, v. XXII, 2005.




[1] Na mitologia grega, Hades era o deus responsável por governar o mundo subterrâneo e as almas após a morte.

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