quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Parzinho de vasos

Como o Natal se aproxima, aproveitamos para postar novamente um conto (Parzinho de Vasos), escrito pela "Vó Ismênia" para sua neta Carina.


       Desde o começo de dezembro, sempre à mesma hora, os moradores do centro da cidadezinha de São Joaquim viam passar, muito sérias e arrumadinhas, as duas meninas. Eram gêmeas e conhecidas de todos, que as chamavam “o parzinho de vasos”, pois se pareciam muito, andavam sempre juntas, tudo repartiam e compartilhavam.
Todos sabiam o itinerário e o objetivo da caminhada. Entreolhavam-se e sorriam misteriosamente. De dentro das casas, de vez em quando, alguém perguntava:
- As gêmeas já passaram?
- Sim, respondia quem observava, agora mesmo!
     As meninas caminhavam rapidamente, sem olhar para os lados, mas via-se que seus olhos brilhavam de ansiedade e emoção. Só paravam em frente à vitrine da Casa Martorano. Ali estavam expostos brinquedos, lindamente arrumados para o Natal. Mas as irmãzinhas só tinham olhos para duas bonecas colocadas lado a lado, no centro da vitrine. Eram realmente bonitas, diferentes de todas as que as meninas da cidade tinham visto até ali: eram bastante grandes, em fina porcelana, os cabelos compridos e louros, os olhos que abriam e fechavam delicadamente, com pestanas densas e escuras. Os lábios vermelhos deixavam ver uma fileira de dentes alvos. Em tudo iguais, num ponto diferiam: na cor dos olhos. Uma delas os tinha muito verdes, e o vestido, para combinar, era também verde, cheio de babados, rendas e fitas. A outra tinha os olhos castanhos, transparentes, e estava vestida de vermelho. As meninas, a quem sempre eram contadas histórias de fadas, pensavam que eram princesinhas encantadas...
      Segurando no cano dourado que protegia a vitrine, as crianças, alheias a tudo, permaneciam longo tempo observando as bonecas. Cada uma já escolhera a sua, até já lhes dera nomes: uma se chamaria Nina Rosa, a outra Rosa Maria. A mãe, confidente de tudo, aprovava a escolha. As três conversavam longamente sobre o assunto. As meninas sabiam que as bonecas eram muito caras, fora do alcance do ganho do pai, mas continuavam a sonhar... A mãe, como as demais pessoas da vila, sorria doce e misteriosamente.
    Na véspera do Natal, as meninas foram olhar mais uma vez a vitrine. Estava vazia! Lágrimas silenciosas rolaram pelos rostinhos: sabiam que as bonecas já haviam sido vendidas. Voltaram apressadas, para contar à mãe a desgraça. Esta as abraçou e consolou como pôde. Quem sabe não teriam uma surpresa? Mas elas sabiam que o papai não podia comprá-las, que outras meninas ficariam com as “suas” bonecas.
     Assim, a beleza da preparação da festa de Natal estava estragada para o “parzinho de vasos”. A visão de Nina Rosa e Rosa Maria não saía de suas cabecinhas.
Ao entardecer da véspera de Natal, todos muito bonitos em suas roupas novas, sentaram-se na sala para receber os presentes. Eram nove irmãos e cada um ganharia somente um presente, entregue conforme a idade; a cada presente, a mãe tinha um sorriso para os dois pares de olhos negros, fixos nela com ansiedade.
    Quando, por fim, chegou a vez das gêmeas, a mãe saiu do quarto onde estavam trancados os presentes, com duas grandes caixas, uma embrulhada em papel verde e a outra em papel vermelho. Paralisadas pela emoção, as meninas olhavam para as caixas que lhe eram estendidas, sem poder mexer-se. Olhos arregalados, os corações batendo como as asas de um beija-flor, as menininhas não podiam acreditar no que estavam vendo. Os pais e os irmãos mais velhos olhavam, emocionados, a felicidade das crianças. O pai as abraçou ternamente e as empurrou de mansinho para a mãe...
     Enquanto aguardavam a ceia, as meninas, já agora segurando nos braços as bonecas, refizeram, pela última vez, o caminho.
    Os vizinhos viram passar as figurinhas, que lhes sorriam enlevadas; percebiam, porém, que o sorriso era puro encantamento, e que as meninas sorriam, na verdade, para algo invisível...
     As pessoas fechavam suavemente as janelas, após a passagem das crianças, e pensavam, com os corações leves, que o mundo, afinal, naquela noite, estava muito mais bonito...


Natal de 1991.

2 comentários:

  1. Que lindo ! Um conto que traz a ingenuidade perdida, nos faz felizes pelo tempo em que dura a leitura e nos deixa a possibilidade do sonho realizado.

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    1. Muito obrigada, Catia!
      Fiquei bem contente com o teu comentário.
      Abraço,
      Ismênia.

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