Como o Natal se aproxima, aproveitamos para postar novamente um conto (Parzinho de Vasos), escrito pela "Vó
Ismênia" para sua neta Carina.
Desde o começo de dezembro, sempre à mesma hora, os
moradores do centro da cidadezinha de São Joaquim viam passar, muito sérias e
arrumadinhas, as duas meninas. Eram gêmeas e conhecidas de todos, que as
chamavam “o parzinho de vasos”, pois se pareciam muito, andavam sempre juntas,
tudo repartiam e compartilhavam.
Todos sabiam o itinerário e o objetivo da caminhada.
Entreolhavam-se e sorriam misteriosamente. De dentro das casas, de vez em quando,
alguém perguntava:
- As gêmeas já passaram?
- Sim, respondia quem observava, agora mesmo!
As meninas caminhavam rapidamente, sem olhar para os lados,
mas via-se que seus olhos brilhavam de ansiedade e emoção. Só paravam em frente
à vitrine da Casa Martorano. Ali estavam expostos brinquedos, lindamente
arrumados para o Natal. Mas as irmãzinhas só tinham olhos para duas bonecas
colocadas lado a lado, no centro da vitrine. Eram realmente bonitas, diferentes
de todas as que as meninas da cidade tinham visto até ali: eram bastante
grandes, em fina porcelana, os cabelos compridos e louros, os olhos que abriam
e fechavam delicadamente, com pestanas densas e escuras. Os lábios vermelhos
deixavam ver uma fileira de dentes alvos. Em tudo iguais, num ponto diferiam:
na cor dos olhos. Uma delas os tinha muito verdes, e o vestido, para combinar,
era também verde, cheio de babados, rendas e fitas. A outra tinha os olhos
castanhos, transparentes, e estava vestida de vermelho. As meninas, a quem
sempre eram contadas histórias de fadas, pensavam que eram princesinhas
encantadas...
Segurando no cano dourado que protegia a vitrine, as
crianças, alheias a tudo, permaneciam longo tempo observando as bonecas. Cada
uma já escolhera a sua, até já lhes dera nomes: uma se chamaria Nina Rosa, a
outra Rosa Maria. A mãe, confidente de tudo, aprovava a escolha. As três
conversavam longamente sobre o assunto. As meninas sabiam que as bonecas eram
muito caras, fora do alcance do ganho do pai, mas continuavam a sonhar... A
mãe, como as demais pessoas da vila, sorria doce e misteriosamente.
Na véspera do Natal, as meninas foram olhar mais uma vez a
vitrine. Estava vazia! Lágrimas silenciosas rolaram pelos rostinhos: sabiam que
as bonecas já haviam sido vendidas. Voltaram apressadas, para contar à mãe a
desgraça. Esta as abraçou e consolou como pôde. Quem sabe não teriam uma
surpresa? Mas elas sabiam que o papai não podia comprá-las, que outras meninas
ficariam com as “suas” bonecas.
Assim, a beleza da preparação da festa de Natal estava estragada
para o “parzinho de vasos”. A visão de Nina Rosa e Rosa Maria não saía de suas
cabecinhas.
Ao entardecer da véspera de Natal, todos muito bonitos em
suas roupas novas, sentaram-se na sala para receber os presentes. Eram nove
irmãos e cada um ganharia somente um presente, entregue conforme a idade; a
cada presente, a mãe tinha um sorriso para os dois pares de olhos negros, fixos
nela com ansiedade.
Quando, por fim, chegou a vez das gêmeas, a mãe saiu do
quarto onde estavam trancados os presentes, com duas grandes caixas, uma
embrulhada em papel verde e a outra em papel vermelho. Paralisadas pela emoção,
as meninas olhavam para as caixas que lhe eram estendidas, sem poder mexer-se.
Olhos arregalados, os corações batendo como as asas de um beija-flor, as menininhas
não podiam acreditar no que estavam vendo. Os pais e os irmãos mais velhos
olhavam, emocionados, a felicidade das crianças. O pai as abraçou ternamente e
as empurrou de mansinho para a mãe...
Enquanto aguardavam a ceia, as meninas, já agora segurando
nos braços as bonecas, refizeram, pela última vez, o caminho.
Os vizinhos viram passar as figurinhas, que lhes sorriam
enlevadas; percebiam, porém, que o sorriso era puro encantamento, e que as
meninas sorriam, na verdade, para algo invisível...
As pessoas fechavam suavemente as janelas, após a passagem
das crianças, e pensavam, com os corações leves, que o mundo, afinal, naquela
noite, estava muito mais bonito...
Natal de 1991.
Que lindo ! Um conto que traz a ingenuidade perdida, nos faz felizes pelo tempo em que dura a leitura e nos deixa a possibilidade do sonho realizado.
ResponderExcluirMuito obrigada, Catia!
ExcluirFiquei bem contente com o teu comentário.
Abraço,
Ismênia.